sábado, 18 de abril de 2009

Opinião: Ser ou Não Ser, Eis a Questão...

Ser ou Não Ser, Eis a Questão
por Cristina Sá Carvalho, Psicóloga

Um modelo educativo reporta, inevitavelmente, para uma ideia de pessoa, quase sempre vinculada a um ideal de sociedade. Não há qualquer possibilidade material de gerar um programa educativo neutro, são sempre feitas escolhas de natureza aparentemente técnica, que são éticas, e tanto a nível dos conteúdos como dos métodos. Esta questão é tão verdadeira para o ensino da matemática, das ciências como das humanidades, mas torna-se mais evidente e crítico quando o domínio a educar não só é central para a estruturação da personalidade como, talvez por isso, é sensível a formulações culturais, filosóficas e religiosas, diversas. De facto, quando se trata de preparar a pessoa para as escolhas complexas que terá de fazer na sua vida adulta, a neutralidade não só não é possível como não é desejável, pois significaria tornar insignificante o estruturante que é, assim como relativizar aquilo que, manifestamente, se exprime num quadro de bom, de belo e de justo.

Estas observações aplicam-se inteiramente à questão da educação da sexualidade nas escolas, que está hoje em processo de audição parlamentar. Se quisermos continuar a gastar dinheiro e potenciar os riscos de um comportamento desordenado nos nossos alunos, insistamos na inutilidade da informação higienista, desintegrada e acrítica, cuja longa implementação transversal não deu, nem dará, nenhum resultado positivo, mesmo que concentrada num projecto escolar anual de carga horária própria. A educação nunca é bem sucedida quando se faz ignorando ou contrariando as leis que governam o comportamento e que há muito evidenciaram não só a forma não planificada como a sexualidade é vivida na adolescência, como a imaturidade neurológica dos centros nervosos que tratam a antecipação das consequências da acção própria, o que torna os adolescentes bem mais vulneráveis do que os adultos. Se quisermos facultar o direito a uma educação útil, completa e integral, urge ultrapassar tal conservadorismo pedagógico.

Programas competentes não podem confundir informação sexual com educação da sexualidade. Só esta última, aceitando a complexa intenção de associar o aperfeiçoamento dos conhecimentos ao desenvolvimento de atitudes e ao treino de competências, pode contribuir para que as pessoas cresçam e amadureçam sexualmente saudáveis, contribuindo para a ordenação da sexualidade num contexto de vida afectiva e dignidade da pessoa. Querer menos do que isto é prescindir voluntária, mas não esclarecidamente, de uma educação para a pessoa que é especificamente humana e humanizadora, instrumento de dignificação da criança e do adolescente, é rejeitar o conhecimento como conhecimento de si e da realidade social, instrumento de progresso comunitário e harmonia social.

Assim, é preciso que a educação da sexualidade desenvolva valores, atitudes e capacidade de discernimento e espírito crítico; que promova a aquisição de competências interpessoais e sóciomorais eficazes; que oriente para a assunção de responsabilidades. E, se quisermos trabalhar realmente bem, a educação da sexualidade, na escola e com a plena participação da família, integrará todas estas aprendizagens naqueloutra, mais densa, da aprendizagem do amor, sem a qual a sexualidade não é verdadeiramente humana. Combinando a intenção de ajudar os adolescentes a adiar a entrada na sexualidade genital combinada com o objectivo do amadurecimento da pessoa, talvez consigamos atingir as metas desejadas em matéria de saúde reprodutiva e ainda teremos ensinado a pessoa a proteger e a cultivar a sua humanidade. A questão não está em propor fazer tudo o que apetece e remendar as consequências, está em ser e amar e, então, aprender a fazer o que o que se quiser, porque se quer fazer o bem.
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Jornal Página 1, 14 de Abril de 2009

1 comentário:

Catarina disse...

Está muito bom. Nunca tinha pensado nisto assim.. A educação sexual, de certo modo, é também ensinar a amar. Ensinar o adolescente a reconher o seu valor e identidade pessoal antes de se deixa conquistar por qualquer pessoa, muitas vezes por acharem que mais ninguém os vai querer e por curiosidade.