terça-feira, 27 de maio de 2014

[Comboio do Desenvolvimento]: Noção de Estádio de Desenvolvimento Parte II


Vimos, há uns dias atrás, como a divisão do ciclo de vida humano utilizada por diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, já parece confirmar, e também desafiar, as noções de fase, etapa, nível, estádio do desenvolvimento psicológico.
A partir do seculo XIX, a teoria da evolução induziu uma ampla utilização destas noções por diversas disciplinas científicas. Para além dos estádios de evolução das espécies propostos pela própria biologia, os geólogos, por exemplo, descrevem-nos as várias eras de formação do globo terrestre ou os sociólogos os diferentes estádios de evolução das sociedades. 
Nas palavras de Tran-Thong (1976), a noção de estádio ou etapa descreve então e essencialmente “os momentos sucessivos de um devir” (p.371), uma vez que “traduz, numa ordem irreversível, o tempo que dura uma qualidade ou um estado, entre o seu aparecimento e o seu desaparecimento ou a sua substituição ou integração num outro estado ou em uma outra qualidade” (p.371).
Para além da história, da educação e das múltiplas disciplinas científicas que as utilizam, as noções de fase, etapa, nível, estádio de evolução de um qualquer fenómeno físico ou social encontram ainda o seu fundamento teórico no debate filosófico sobre o devir que, em Heráclito, Lau-tseu, Hegel, Bergson e muitos outros, é universal e contém em si-mesmo a contradição entre o permanente e o mutável, o uno e o múltiplo, o contínuo e o descontínuo.    
Porém, se olharmos a história da nossa disciplina, a delimitação de fases, etapas ou estádios do desenvolvimento psicológico começou por se centrar mais na descrição das mudanças ou descontinuidades que marcam a evolução e diferenciação progressiva da conduta da criança e do adolescente. Vejamos!
As primeiras descrições do desenvolvimento psicológico são diários ou relatos biográficos do aparecimento sucessivo dos novos comportamentos ou capacidades que podem ser observados ao longo dos primeiros anos de vida.
Já em 1787, Dietrich Tiedmann, Professor de Grego e Filosofia na Universidade de Marbourg, propõe as “Observações sobre as Capacidades Mentais nas crianças”, onde relata detalhadamente a mudança e evolução do comportamento sensório-motor e da linguagem do seu filho até aos 2,5 anos de idade.
Multiplicam-se então as biografias de bebés e crianças pré-escolares e, passado um século, o próprio Charles Darwin regista, com a colaboração da mulher, o desenvolvimento dos seus 10 filhos, particularmente do mais velho, William Erasmus, entre 1839-1844, e de Anne Elizabeth, nascida em 1841. A partir das suas próprias observações, Darwin constrói então um questionário sobre a expressão de emoções e obtém dados adicionais de familiares com filhos pequenos e de outros cientistas que observavam animais, crianças ou indivíduos de diferentes etnias, com perturbações psíquicas ou défices sensoriais. Esta extensa investigação culmina na publicação “The Expression of the emotions in man and animals”, em 1872, e ainda de um artigo, “A biographical sketch of an infant”, publicado em 1877, que nos oferece um relato, naturalista e rigoroso, da ontogénese da conduta sensório-motora, da imitação e linguagem, das expressões emocionais de raiva, medo ou prazer de brincar, do pensamento, consciência de si e sentido moral que observara ao longo dos primeiros 5 anos de vida do seu filho mais velho.
Celeri, Jacintho e Dalgalarrondo (2010) traduziram este artigo para português. Deixo aos meus leitores dois pedaços desse texto que atestam bem o rigor de observação e o interesse de Darwin pela evolução das mudanças de conduta do pequeno William Erasmus.
Contudo, é Wilhelm Preyer, contemporâneo de Darwin, que nos deixa “The Mind of the Child” (1882), a obra eventualmente mais marcante desta fase pioneira da Psicologia do Desenvolvimento, que aqui evocaremos dentro de alguns dias.
 
Conduta sensório-motora
“Durante os primeiros sete dias de vida várias ações reflexas, por exemplo, espirrar, soluçar, bocejar, esticar-se e, obviamente, sugar e chorar são bem executadas pelos bebês. No sétimo dia eu toquei a sola nua de seu pé com um pedacinho de papel e ele retirou-o para longe, encurvando ao mesmo tempo seus dedos, como uma criança mais velha faz quando lhe fazemos cócegas.”
 
Emoção, Comunicação e Linguagem Verbal
“…os desejos de um bebé são inicialmente tornados inteligíveis pelos gritos instintivos que, depois de um tempo, são modificados em parte inconscientemente e em parte, como acredito, voluntariamente, como uma maneira de comunicação - pelas expressões inconscientes peculiares, pelos gestos e de forma marcante por diferentes entonações - e, finalmente, pelas palavras naturalmente inventadas pela criança. Depois as palavras são imitadas de forma mais precisa, a partir da audição e esta capacidade é adquirida de uma forma maravilhosamente rápida.”
Maria Stella Aguiar
Referências
Cairns, R.(1983). The emergence of developmental psychology. In P.H. Mussen (Ed.) Handbook of Child Psychology, Vol. 1 (4th edition) (pp.41-95). NJ: Wiley.
Cairns, R., & Cairns, B. (2006). The making of developmental psychology. In W. Damon & R. M. Lerner (Eds.) Handbook of Child Psychology, Vol. 1 (6th edition) (pp. 89-165). NJ: Wiley.
Celeri, E., Jacintho, A., & Dalgalarrondo, P. (2010). Charles Darwin: um observador do desenvolvimento humano. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 13, 4, pp. 558-576. (http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142010000400002) 
 

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Evento: "Seminário Científico sobre Modelos Sistémicos de Intervenção"


O Psicologia Para Psicólogos renovou a parceria com a Turma de 5ºAno de Sistémica da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa!
Assim, estamos mais uma vez presentes no seu evento cientifico anual.


“É com muito gosto que vos convidamos a embarcar na viagem «Explorando os mundos da Sistémica». A viagem tem data marcada para o dia 30 de Maio às 9 horas no anfiteatro Professor Ferreira Marques na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.
Neste encontro contamos com a presença dos alunos de 5º ano de Psicologia Sistémica, que vos falarão sobre as suas experiências nos locais de estágio curricular que visitaram. Para além disso, teremos os testemunhos de convidados especiais, e muitas surpresas.
Gostaríamos de partilhar convosco este momento celebrativo de final de um ciclo da nossa vida.
Ficamos à vossa espera,
Turma de Clínica Sistémica".

Psicologia Para Psicólogos

sábado, 17 de maio de 2014

[Auto-cuidado]: Se a sua ansiedade falasse...


Se a sua ansiedade falasse, o que lhe diria?

Esta pergunta pode parecer estranha à primeira vista, o que é certo é que as perturbações depressivas e ansiosas afectam cada vez mais pessoas em Portugal e um pouco por todo o mundo. A ansiedade pode manifestar-se de várias formas: com o ritmo cardíaco acelerado, uma sensação constante de inquietação, suores frios e/ou localizados (ex: mãos), voz trémula, dores no corpo, entre outras.
Outro dos aspectos que pode vir associado à ansiedade é que ela parece ser pouco concreta e muitas vezes não é claro para uma pessoa ansiosa o que lhe faz surgir a ansiedade. Quando isto acontece, o sofrimento aumenta, pois aparentemente, nada parece estar associado a uma condição que acompanha a pessoa durante grande parte dos seus dias.
Vou sugerir-lhe um exercício: imagine a sua ansiedade como algo real, palpável, se fosse uma figura, como seria? Seria grande ou pequena? Provavelmente seria algo grande, devido ao domínio que tem sobre a sua vida… Que cor teria, e quais seriam as suas feições? Imaginando essa ansiedade a falar consigo, que tipo de tom de voz teria, grave e assustador ou agudo e arrepiante? Imagine-a à sua frente e pense nas coisas que ela lhe diria. A verdade é que a nossa ansiedade fala connosco, mas muitas vezes não a ouvimos, porque estamos concentrados nos sintomas físicos que ela nos provoca e tomamos medicamentos para os acalmar. Que preocupações é que a sua ansiedade o/a está sempre a lembrar? Pergunte à sua ansiedade porque é que ela está presente tantas vezes no seu dia-a-dia? O que se imagina a responder-lhe quando ela lhe lembra constantemente sobre temas que tem pendentes ou sobre receios do que possa acontecer no futuro?
Para muitas pessoas é bastante apaziguador saber que podem ter conversas com a sua ansiedade. A ansiedade tem como função deixar-nos alerta para os perigos que possam acontecer, é uma condição bastante centrada no futuro e muitas vezes naquilo que pode correr menos bem. Ela é importante porque faz com que o nosso corpo liberte substâncias como a adrenalina e que nos mova em direcção aos nossos objectivos. Quando se torna excessiva é bloqueadora e paralisadora, funcionando contra nós.
Repare naquilo que activa a sua ansiedade, pode até anotar os momentos em que se começa a sentir ansioso/a e aquilo que a sua ansiedade lhe está a dizer. Pode também responder-lhe e permitir-se deixar essas preocupações para mais tarde quando tiver mesmo de agir, em vez de estar ansioso/a por antecipação. Pode também ir dizendo à sua ansiedade que já fez tudo o que estava ao seu alcance para resolver a situação e que gostaria que ela não colocasse tanta pressão sobre si.
Estes exercícios ajudam a observar o que está a acontecer consigo e a dar-lhe algum controlo sobre uma ansiedade que parece ter vida própria.
Se a ansiedade se mantiver incontrolável e avassaladora, fará sentido procurar o apoio de um/a psicólogo/a para perceber e controlar a sua ansiedade.

Ana Sousa

segunda-feira, 12 de maio de 2014

[Criminal-Forense]: Jurados nos Tribunais?

Em Portugal existem jurados nos tribunais? E se existem, deveriam existir?  

     O tribunal de júri português é constituído por três juízes do tribunal coletivo, quatro jurados efetivos e quatro suplentes, que se pronunciam acerca da culpabilidade e sanção do arguido. Em 2011, verificaram-se 19 julgamentos com este tipo de tribunal em Portugal.
Pode ser requerido pelo Ministério Público, assistente (ofendido) ou arguido, em questões de matéria de facto (responsabilidade, intenção, dolo/negligência...), crimes contra a segurança do Estado (violação de segredo de Estado, espionagem..., com excepção do terrorismo) e crimes com pena abstrata superior a oito anos de prisão (homicídio, ofensa à integridade física grave, escravidão, tráfico de pessoas, violação, abuso sexual de crianças...).

Será que deveria existir?
Os argumentos a favor relacionam-se com a maior compreensão do papel do juiz e das dificuldades do sistema de justiça, a prevenção ao abuso de poder e a representação das crenças, valores e atitudes da comunidade na sala de audiência.
Na minha perspetiva, a presença dos jurados deveria ser apenas estipulada para certos ramos do direito, como o cível e o laboral, que possuem penas menos gravosas e lidam com questões de menor censurabilidade e interferência com a integridade física e bem-estar psicológico da pessoa.
O direito penal e de família e menores exigem uma maior competência e experiência em julgar, tendo o juiz recebido formação para este propósito. Estas decisões por parte dos jurados estão assim relacionadas com questões de credibilidade, probabilidade de acontecimentos e inferência de intenções. Paralelamente, pode verificar-se falta de entendimento acerca da linguagem utilizada pelos juízes e sobre o procedimento criminal.
No que concerne ao tipo de crime, um caso de homicídio despoleta maior pressão social e pessoal, pela sua carga afetiva, do que um caso de evasão fiscal. Um jurado poderá não ter capacidade para lidar com crimes como o abuso sexual de menores, traduzindo-se assim numa falta de competência para julgar imparcialmente.

Ana Isabel Lopes

Referências
                BDJUR (2013). Código Penal. Coimbra: Edições Almedina. Consultado no dia 4 de Março de 2014, através de http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=1172736.
                Constituição da República Portuguesa, (1976). Consultada no dia 6 de Março de 2014, através de
                DR (1987). Decreto-Lei n.º387-A/87 de 29 de Dezembro. DR, 1ª Série, n.º 298 de 29 de Dezembro. Retirado de http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=315&tabela=leis
                Jólluskin, G. (2009). O tribunal do júri no ordenamento jurídico português: Uma abordagem na perspectiva da psicologia. Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (6), 116-126. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa.
                Nemeth, C. (1981). Jury trials: Psychology and law. Advances in Experimental Social Psychology, Vol. 14. Academic Press, Inc.
                Sacau, A. & Castro-Rodrigues, A. (2008). A cidadania e a (des)identificação dos cidadãos com a justiça – um contributo da  Psicologia. Trabalho apresentado no projecto “Análise psicológica da tomada de decisões judiciais”.
                Sacau, A. & Jólluskin, G. (sem data). El tribunal del jurado: Reflexiones sobre el ejercicio de la  ciudadania. Porto: Universidade Fernando Pessoa.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

[Envelhecer]: Solidão


Um tema que surge frequentemente associado aos Idosos é o isolamento.
A perda, na maior parte dos casos, da rede social associada à actividade laboral, com a reforma, e a saída dos filhos de casa marcam o início do que para muitos é o princípio do fim da vida. A rampa final onde simplesmente se padece e pacientemente se espera.
Um dos factores deste isolamente é a perda dos familiares e amigos da mesma idade que vão perecendo ao longo dos anos e, previsivelmente, com o avançar dos anos estas perdas tornam-se mais numerosas, criando maiores vazios na rede social destas pessoas.
Estes sobreviventes da sua geração além de lidarem com as suas perdas relacionais vão perdendo algumas das características que a sociedade moderna tanto valoriza, como a velocidade, a flexibilidade, a agilidade na adaptação, e a juventude, ficando ainda mais isolados da restante sociedade.
Apesar do tom deste discurso não pretendo ignorar que há excepções a esta regra, no entanto esta é a regra quando se fala e pensa acerca dos idosos, a visão pessimista do desenvolvimento prevalece. Por isso gostaria de deixar aos leitores uma reflexão acerca do isolamento, ou será da percepção do mesmo? E percepção de isolamento por parte de quem vive esta etapa da vida ou de quem a olha de fora? Estarão os idosos mais sozinhos do que os jovens? Será que existem diferenças entre os idosos que vivem na cidade, rodeados de casas vazias todo o dia e de pessoas que não sabem o seu nome e os que vivem nas aldeias onde sempre viveram mas longe das oportunidades de socialização urbanas? E ainda estarão os idosos religiosos mais sós do que os agnósticos?
Gostava de contar com as vossas ideias acerca da solidão envelhecida.

Ana Carla Nunes

domingo, 4 de maio de 2014

“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.”


“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.”

            Não, deixou de o ser. O que era continuou a sé-lo. Mas a avaliação “impossível” é que veio de alguém diferente. Pensamento diferente, percepção diferente, esquemas diferentes. Limitações subjectivas que a tendência Humana empurra e atribui aos outros. O que eu achar impossível para mim, assim o terá de ser para os outros.

            Mas outros, não sabendo da minha avaliação, criam a sua. E a sua é, obrigatoriamente, diferente das anteriores. Podem ter as mesmas palavras nas conclusões retiradas, mas os caminhos que a levaram até lá foram diferentes. E mantêm os comportamentos a ocorrer diferentes também. Isto ocorre pois a percepção dos estímulos envolventes às situações são entendidas por cada um com base nas suas experiências anteriores, e isso, como é entendido, é idiossincrático. Uma mesma situação é entendida por cada indivíduo de forma diferente. Variando entre indivíduos, varia ainda em cada momento do mesmo, pois face a situações semelhantes, temos respostas diferentes ao longo do tempo.
            Se a avaliação da situação não é de que a mesma é impossível, os esquemas criados para a mesma não a mostram como tal. Assim, as limitações do funcionamento esquemático são diferentes, mais abertas, menos rígidas, e permitem uma melhor adaptação face à mesma. A conclusão será, assim, a mais adaptativa possível no sentido do objectivo desejado de acordo com os comportamentos realizados.

            A atribuição de rótulos baseados em avaliações de terceiros levam-nos a erros de percepção para as situações do dia-a-dia. Algumas, como diz a história espelhada nos provérbios e fado cultural de um povo, ajudam-nos a viver melhor, evitando isto e aquilo, como um guia tradicional a realizar. Outros, inibem experiências e desenvolvimento pessoal, pensamento crítico e acção geradora de bem-estar.
            A distinção entre ambas é essencial para a melhor adaptação dos indivíduos que potencie o seu desenvolvimento enquanto seres Humanos, Pessoas, Cidadãos, e todos os outros papeis que, bem ou mal, temos na sociedade.

            Tiago A. G. Fonseca