segunda-feira, 20 de abril de 2009

Ciência e Saúde: Cirurgia Pioneira Dá Nova Vida...

Inovação: Operação pode levar à poupança de 1642 euros em medicamentos
Cirurgia pioneira dá nova vida


Tudo começa com uma perturbação dos circuitos do cérebro que regulam os movimentos. Depois, surgem os tremores, a dificuldade de locomoção e os movimentos ficam mais presos. Para devolver qualidade de vida aos doentes de Parkinson – cerca de 20 mil em Portugal – o Hospital S. João, no Porto, implementou uma nova técnica cirúrgica, através da introdução de um pequeno aparelho, Activa PC, com duas vantagens: permite regular os estímulos eléctricos em ambos os lados do corpo e é mais pequeno, logo esteticamente mais discreto. O outro grande benefício é monetário, os doentes podem poupar, em média, 1642 euros por ano em medicamentos.

"Nos casos severos da doença, para os quais esta intervenção é destinada, os pacientes tomam em média entre 20 a 25 comprimidos. Por isso, estimamos que se pague a cirurgia em cinco anos. Isto sem contar com os familiares, que tomam conta dos doentes e muitas vezes ficam desempregados. Assim, poderão voltar à vida activa", disse ao CM Rui Vaz, neurocirurgião responsável pela intervenção, pioneira em Portugal.

Este aparelho de terceira geração, o Activa PC, permite uma regulação mais fácil do lado direito e esquerdo do corpo. "É importante nos doentes assimétricos, com um lado mais atingido pela doença e permite um melhor controlo da estimulação", salienta o clínico. "Como é um aparelho para pôr debaixo da pele, quanto mais pequeno for menos se nota. É colocado debaixo da clavícula, o que no caso das mulheres, como fica por cima da mama, torna a deformidade estética menor", especifica.

Os bons resultados em termos internacionais para este tipo de cirurgia resultam numa melhoria entre 65 e 75 por cento das capacidades do paciente. "Os nossos números são de 70 por cento. Isto traduz para o doente a melhoria no dia-a-dia, a vestir-se, a lavar-se, a comer autonomamente e até poder voltar a conduzir."

Esta operação é destinada, apenas, para as formas mais graves de Parkinson, cerca de dez por cento do total, e que apresentem discinesias (situações em que o doente não consegue ter os braços parados). Em muitas situações, a partir das 15h30, não se conseguem mexer. "É aquilo a que chamamos ‘off’, o doente não é capaz de se movimentar", salientou Rui Vaz.

Apesar das vantagens que tem para os doentes, esta técnica não é isenta de riscos graves para o doente, que durante as consultas é alertado para os problemas que podem ocorrer. "Há risco de complicação severa em 1 por cento dos casos, nomeadamente uma hemorragia cerebral, quando se coloca o eléctrodo", afirma o neurocirurgião, que alerta ainda para a rejeição do sistema e para a infecção como contra-indicações que surgem em cinco por cento dos casos.

DISCURSO DIRECTO
"PODE FICAR PARALISADO EM QUALQUER LADO" (Elisabete Pires , Familiar de António Pires)

Correio da Manhã – Quando é que começou a tratar o seu tio?

Elisabete Pires – Em Outubro do ano passado. Ele não tem filhos e estava numa situação crítica. Falou com o meu marido, porque não queria ir para um lar. Conseguimos chegar até à operação dele e agora estamos expectantes.

– Como é que é o seu dia-a-dia?

– Tomo conta da casa, faço-lhe o almoço. Tentamos dar uma volta com ele, não o deixamos sair sozinho, até porque pode ficar paralisado em qualquer lado. Mas, o tio enfada-se logo e quer voltar para casa. O meu marido é o ‘médico’ e eu a ‘enfermeira’.

– Tem de estar sempre atenta?

– Não pensava que a doença fosse assim. Temos de estar sempre, a toda a hora, em cima dele. Ou para mudar de canal da televisão, ou para o virar um bocadinho na cama, ou para aquecer os pés. Ele quer sempre atenção...

TRÊS TRAJECTOS PARA ATINGIR ALVO
A intervenção cirúrgica demora entre seis a oito horas. "Colocamos guias que fazem um trajecto cerebral até ao núcleo, o que nos permite fazer um registo eléctrico do cérebro e identificar um traçado que é típico do núcleo. Fazemos três trajectos para ver com qual temos o melhor registo. Quando o temos, e pensamos estar no núcleo que queremos, com esse mesmo guia fazemos uma estimulação eléctrica e vemos qual é a reacção a essa acção", explicou Rui Vaz.

O mesmo clínico conclui que é nessa altura "escolhido o melhor alvo onde se coloca o eléctrododefinitivo".

APONTAMENTOS
TERAPÊUTICA

O tratamento da doença não é a cirurgia: os medicamentos são a terapêutica mais comum, mas há um certo número de situações em que os comprimidos não são eficazes ou o doente não tolera a medicação.

MENOS REMÉDIOS
O Hospital de S. João analisou 61 dos doentes operados e verificou quantos comprimidos tomavam antes e depois da operação. Os resultados foram de uma poupança média, por ano, de 1642 euros. Houve doentes que reduziram as tomas em 60%.

5 HOSPITAIS OPERAM
Existe, actualmente, cinco hospitais que realizam intervenções a doentes de Parkinson: dois no Porto, dois em Lisboa e um em Coimbra. Mesmo assim há lista de espera de seis meses no Hospital de S. João.

MUDANÇA
A cirurgia é única, mas a bateria dos aparelhos dura cinco anos, facto que faz com que, ao fim desse tempo, necessite de ser substituída.

O MEU CASO
PRESO NO SEU CORPO HÁ 14 ANOS


Foi há 14 anos, ainda emigrado em França a trabalhar na construção civil, que o braço começou a tremer. Nunca mais parou. Os sintomas só se agravaram, passando a ter muitas dificuldades em fazer coisas tão simples como beber água ou mudar de posição na cama. Agora, com 62 anos, António Pires, volta a ter esperança. Será o primeiro doente a ter o mais recente dispositivo de estimulação cerebral profunda que permite aos doentes de Parkinson recuperar a sua qualidade de vida.

Os últimos quatro anos têm sido os piores e traduziram-se na necessidade de tomar 28 comprimidos por dia. Muito limitado, fica imóvel a partir das 15h30, porque os medicamentos deixam de fazer efeito e não é possível aumentar a dosagem. Há um ano e meio deixou mesmo de poder trabalhar. "Quando estou sem os medicamentos, não me consigo mexer", sintetiza António.

Nascido em Mogadouro, Trás-os--Montes, António é um homem do campo, adora andar ao ar livre. Sente-se preso dentro do seu corpo. "Se pudesse só vinha a casa para comer e dormir!", diz o sexagenário. Apaixonado pelos carros, não poder conduzir é algo que o entristece. "Tenta pegar no carro, mas não consegue. Se melhorar com a operação, até quer comprar um automóvel novo", garante o sobrinho, Tiago Pires. n

PERFIL
António Pires, de 62 anos, foi trabalhador da construção civil em França, até que a doença Parkinson o fechou no seu quarto, em Trás-os-Montes. Com uma grande força de vontade e a ajuda dos sobrinhos tem agora nova esperança para combater a doença.

NOTAS:
27 CIRURGIAS

O Hospital de S. João faz o dobro das intervenções dos outros hospitais. No ano passado, realizaram-se 27 operações

REDUÇÃO DE APOIOS
Face às melhorias que o doente apresenta, reduz--se a necessidade de apoio, como a cadeira de rodas

CÁLCULOS
O computador onde é feito o cálculo dos trajectos que os guias fazem até aos núcleos no cérebro

João Carlos Malta
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Correio da Manhã, 19 de Abril de 2009

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