É
uma pergunta estranha de pôr ao 4º texto. Mas ela faz sentido a vários níveis.
Acham que já perceberam o sentido da minha linha de escrita? Acham que já
começam a vislumbrar a pessoa que está por detrás dos textos? Se sim, isso é bom?
É bom saberem quem sou? Quais são as
implicações desse tipo de assunção? Provavelmente passarão a saber com que
contar de mim. Por isso passarão ao lado da rubrica, ou antes pelo contrário
procurarão ler mais. Serei considerado mais previsível, o que reduz a
necessidade de uma atenção. Serei assumido como um dado adquirido, o que reduz
o risco mas também o investimento. E deste modo a relação prossegue na base da
superficialidade e do pressuposto.
Esta
questão é muito interessante no plano preventivo. Assumindo que a segurança
depende do sentimento de pertença e da qualidade dos vínculos que se
estabelece, uma prevalência de relações superficiais traduz uma rede de suporte
frágil que apenas permite arriscar a partilha de medos banais e necessidades
básicas. Ou então, procuramos suporte em forma de passagem ao acto, descarregando
no outro, esperando que o acaso nos favoreça e que as expectativas que criamos
em relação à ajuda dele não falhem e que alguém esteja lá para nós.
A necessidade de compreensão do
outro, de perceber as afinidades, os estilos relacionais é fundamental na
promoção de um bem-estar generalizado.
Daí que nos processos grupais, a promoção regular de momentos de
(re)apresentação cumpram um papel essencial. É possível continuar a descobrir
no outro facetas que nos surpreendem. Uma das minhas dinâmicas favoritas
envolve um saco de objectos. Como é que me apresento a partir do objecto que me
sai em sorte? O que posso dizer de mim desafiando o concretismo do objecto. O
que dizer de mim a partir de um preservativo? Ou de uma lâmpada? Ou de uma
chave de portão? “Que sorte. Ao meu vizinho saiu um caleidoscópio”. A sorte
pode ser madrasta, mas a vida é assim. Não nos sai o que queremos, mas o que
nos é proporcionado pelo contexto e pelas oportunidades. Depois, tudo depende
do que fazemos com o que nos é proporcionado. Recriamos? Inventamos? Invejamos?
A instrução remete para dizer
alguma coisa de si a partir do objecto, mas os outros podem também ajudar. Eu
sou o que de mim me apercebo, mas sou também o que o outro me devolve.
E
o dinamizador inventa. “Partam para a troca. Se virem um objecto que vos agrade
mais, negoceiem.” Acomodo-me ao que o acaso me destinou ou assumo-me como
activo na procura de um Eu mais próximo do meu desejo? Saberei encontrar forma
de me expor? De vender o meu objecto para o trocar por outro? Conseguirei eu
perceber as necessidades do outro para as encontrar e usa-las como moeda de
troca para obter o objecto por mim pretendido? E na perspectiva inversa,
saberei eu resistir à pressão do outro e preservar o meu objecto e recusar uma
troca que me é indesejada? Por dez
minutos, jogamos num espaço protegido, realidades que se jogam todos os dias
nas vidas de cada um. Há quem diga, que a artificialidade retira à dinâmica
profundidade. Mas a metáfora não deve pretender substituir-se à realidade.
Apenas ilustrá-la. Torná-la acessível à compreensão e à consciência. E com isso
aumentar o poder de se agir sobre o que nos envolve e nos preenche.
Raúl Melo
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