Vimos, há uns dias, que
não há desenvolvimento psicológico sem
experiência de si e do mundo e vimos também que essa experiência é activamente construída por cada um de nós.
Vejamos então, hoje,
porque não há desenvolvimento
psicológico sem a experiência de si e do mundo que acontece no tempo.
Tal como Guitton, o
filósofo da nossa história – lembram-se? – muitos filósofos, físicos, biólogos…
e, também os psicólogos, sentem necessidade de compreender o tempo.
Porquê?
Porque a passagem de um
comboio, a sucessão das estações do ano, o ciclo de vida das plantas e dos
animais, o crescimento de uma criança, enfim, a observação de muitos fenómenos
e situações que mudam, que se sucedem ou que se repetem, nos levaram a generalizar
e organizar essas mudanças em fases, períodos, épocas…que ajudam a delimitar e até a medir o tempo com
grande precisão. E, particularmente, porque a experiência empírica ou a
observação científica dessas mudanças levaram, uns e outros, a distinguir o próprio tempo, a noção de tempo, daquilo
que pudemos designar processos temporais, ou seja, o que ocorre no
tempo.
“Se ninguém me perguntar, eu sei o
que é o tempo. Mas se alguém me pergunta, eu não sei o que dizer”. St
Agostinho (354-430).
Tal como St. Agostinho,
muitos filósofos e físicos teóricos têm interrogado a própria noção de tempo, a
origem, a natureza, os componentes, a direcção, a medida disso a que chamamos
tempo.
Debatem, por exemplo, a realidade do tempo. Será que
tem uma realidade ontológica, pois existe em si mesmo e flui uniformemente e
independente do movimento ou da mudança dos corpos no espaço (Newton)? Ou será
que tem apenas um valor relativo, pois só existe porque existem fenómenos e
criaturas e só a ordem sucessiva das coisas materiais nos dá a noção de tempo
(Leibniz)? Será que é uma “forma da sensibilidade” do homem, uma noção a priori, inerente à nossa forma de
percepcionar, organizar e conhecer o mundo (Kant)? Ou será que o tempo
permanece essencialmente subjectivo e mais não é que a experiência do devir, da
pura duração, a consciência que temos do processo de contínua mudança que
vivemos (Bergson)?
Debatem, por exemplo, a direcção do tempo, se ele é
cíclico e eternamente reversível, tal como nos sugere o retorno regular dos fenómenos
da natureza (e.g., Platão e muitos filósofos greco-latinos), ou se é linear e
irreversível, como sugere a nossa própria experiência de causas e efeitos ou
simplesmente daquilo que um dia antecipámos como futuro, que agora é presente e
que logo recordamos como passado (e.g., Séneca, Newton, Leibnitz, Kant).
Ou será que o tempo é essencialmente relativo à
velocidade dos corpos, esse tempo-espaço que não é independente do observador,
nem da matéria do universo e de que nos fala a física moderna (e.g. Einstein)?
Enfim, tanto as conceptualizações filosóficas, como
as hipóteses dos físicos continuam a alimentar o debate sobre a origem, as
propriedades, a medida do tempo e, no limite, continuam ainda hoje a legitimar
aquela antiga confissão de St. Agostinho.
Ao contrário dos
filósofos e dos homens das ciências da natureza, para os psicólogos e – perdoem
o viés! – ainda mais para os psicólogos do desenvolvimento, o próprio tempo não é interessante em si
mesmo. O que nos atrai são os processos
temporais de que falámos, ou seja, aquilo que ocorre no tempo, a
experiência que construímos, que transforma o tempo dos relógios e, que assim,
vai construindo o tempo psicológico de cada um de nós.
Quando tinha decidido
não abusar mais da vossa paciência e terminar, por hoje, este pequeno texto,
abri o nosso Blog e descobri que o Raúl Melo escolheu também fazer-nos
reflectir sobre o tempo. Uma coincidência “mesmo muito Boas”, diria o Tiago
Fonseca! Porque não o tínhamos combinado, nem sequer nos conhecemos pessoalmente
e temos certamente pontos de vista comuns e diferentes para olhar o tempo. Mas,
não é uma coincidência estranha, um simples acaso. Um e outro somos, de facto,
psicólogos e, tanto a “vivência particular do tempo” de que o Raul Melo nos fala,
como a experiência que ocorre, que muda e que se sucede no tempo são
componentes fundamentais da conduta humana, do conhecimento que temos e dos
diferentes formatos de avaliação-intervenção psicológica que, uns e outros,
utilizamos.
Fico então aguardar,
curiosa, o que o Raúl Melo nos irá ainda revelar sobre a nossa experiência
subjectiva e prometo continuar ainda a reflectir convosco sobre o tempo que
atrai os psicólogos do desenvolvimento.
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