segunda-feira, 25 de março de 2013

[Comboio do Desenvolvimento]: O Tempo na Psicologia do Desenvolvimento


Vimos, há uns dias, que não há desenvolvimento psicológico sem experiência de si e do mundo e vimos também que essa experiência é activamente construída por cada um de nós.
Vejamos então, hoje, porque não há desenvolvimento psicológico sem a experiência de si e do mundo que acontece no tempo.

Tal como Guitton, o filósofo da nossa história – lembram-se? – muitos filósofos, físicos, biólogos… e, também os psicólogos, sentem necessidade de compreender o tempo.

Porquê?
Porque a passagem de um comboio, a sucessão das estações do ano, o ciclo de vida das plantas e dos animais, o crescimento de uma criança, enfim, a observação de muitos fenómenos e situações que mudam, que se sucedem ou que se repetem, nos levaram a generalizar e organizar essas mudanças em fases, períodos, épocas…que  ajudam a delimitar e até a medir o tempo com grande precisão. E, particularmente, porque a experiência empírica ou a observação científica dessas mudanças levaram, uns e outros, a distinguir o próprio tempo, a noção de tempo, daquilo que pudemos designar processos temporais, ou seja, o que ocorre no tempo.

“Se ninguém me perguntar, eu sei o que é o tempo. Mas se alguém me pergunta, eu não sei o que dizer”. St Agostinho (354-430).
 
Tal como St. Agostinho, muitos filósofos e físicos teóricos têm interrogado a própria noção de tempo, a origem, a natureza, os componentes, a direcção, a medida disso a que chamamos tempo.
Debatem, por exemplo, a realidade do tempo. Será que tem uma realidade ontológica, pois existe em si mesmo e flui uniformemente e independente do movimento ou da mudança dos corpos no espaço (Newton)? Ou será que tem apenas um valor relativo, pois só existe porque existem fenómenos e criaturas e só a ordem sucessiva das coisas materiais nos dá a noção de tempo (Leibniz)? Será que é uma “forma da sensibilidade” do homem, uma noção a priori, inerente à nossa forma de percepcionar, organizar e conhecer o mundo (Kant)? Ou será que o tempo permanece essencialmente subjectivo e mais não é que a experiência do devir, da pura duração, a consciência que temos do processo de contínua mudança que vivemos (Bergson)? 
Debatem, por exemplo, a direcção do tempo, se ele é cíclico e eternamente reversível, tal como nos sugere o retorno regular dos fenómenos da natureza (e.g., Platão e muitos filósofos greco-latinos), ou se é linear e irreversível, como sugere a nossa própria experiência de causas e efeitos ou simplesmente daquilo que um dia antecipámos como futuro, que agora é presente e que logo recordamos como passado (e.g., Séneca, Newton, Leibnitz, Kant).
Ou será que o tempo é essencialmente relativo à velocidade dos corpos, esse tempo-espaço que não é independente do observador, nem da matéria do universo e de que nos fala a física moderna (e.g. Einstein)?
Enfim, tanto as conceptualizações filosóficas, como as hipóteses dos físicos continuam a alimentar o debate sobre a origem, as propriedades, a medida do tempo e, no limite, continuam ainda hoje a legitimar aquela antiga confissão de St. Agostinho.

Ao contrário dos filósofos e dos homens das ciências da natureza, para os psicólogos e – perdoem o viés! – ainda mais para os psicólogos do desenvolvimento, o próprio tempo não é interessante em si mesmo. O que nos atrai são os processos temporais de que falámos, ou seja, aquilo que ocorre no tempo, a experiência que construímos, que transforma o tempo dos relógios e, que assim, vai construindo o tempo psicológico de cada um de nós.
Quando tinha decidido não abusar mais da vossa paciência e terminar, por hoje, este pequeno texto, abri o nosso Blog e descobri que o Raúl Melo escolheu também fazer-nos reflectir sobre o tempo. Uma coincidência “mesmo muito Boas”, diria o Tiago Fonseca! Porque não o tínhamos combinado, nem sequer nos conhecemos pessoalmente e temos certamente pontos de vista comuns e diferentes para olhar o tempo. Mas, não é uma coincidência estranha, um simples acaso. Um e outro somos, de facto, psicólogos e, tanto a “vivência particular do tempo” de que o Raul Melo nos fala, como a experiência que ocorre, que muda e que se sucede no tempo são componentes fundamentais da conduta humana, do conhecimento que temos e dos diferentes formatos de avaliação-intervenção psicológica que, uns e outros, utilizamos.

Fico então aguardar, curiosa, o que o Raúl Melo nos irá ainda revelar sobre a nossa experiência subjectiva e prometo continuar ainda a reflectir convosco sobre o tempo que atrai os psicólogos do desenvolvimento.

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