segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

[Comboio do Desenvolvimento]: O Comboio, Parte 2


Um comboio para o desenvolvimento psicológico

  Passaram uns dias e eis-me aqui, de novo, para começar a reflectir convosco sobre o nosso comboio. Lembram-se dele?

Vejamos então como essa simples experiência de um comboio que passa regularmente nos transporta para duas dimensões básicas e fundamentais do desenvolvimento psicológico. 
Em primeiro lugar, não há desenvolvimento psicológico sem experiência de si e do mundo.
Como poderia dizer o Tiago Fonseca quando nos descreve a percepção, objectivamente, é sempre um comboio, que repete o mesmo percurso, sensivelmente à mesma velocidade. Mas, não é isso que aqui nos interessa. Aqui fala-se da nossa percepção, da experiência que nós próprios construímos e que nos leva à consciência da necessidade que, uns e outros, sentimos de compreender o tempo.
Tal como este e muitos filósofos, nós, os psicólogos, falamos sempre, de uma forma ou de outra, sobre a experiência de nós próprios e do mundo que nos rodeia; mas, ao contrário dos filósofos, procuramos uma descrição e compreensão científica dessa experiência e da forma como ela regula a nossa conduta e a conduta humana, em geral.
 
Em segundo lugar, não há desenvolvimento psicológico sem acção, sem construção activa da experiência de si e do mundo.
Actualmente, para a maioria dos psicólogos e, particularmente, dos psicólogos do desenvolvimento, percepcionar, memorizar, aprender, conhecer, pensar, sentir, não é, como queriam os filósofos empiristas, captar e reproduzir passivamente o mundo dito real, objectivo ou meramente sensitivo; nem é, como queriam os filósofos racionalistas, elaborar um mundo ideal, lógico ou meramente subjectivo.
Se assim fosse, poderíamos pôr a hipótese extrema que, chegados ao século XXI, já não haveria, por exemplo, necessidade de investigação científica, pois qualquer destes mundos, empírico ou racional, estaria há muito desvendado.
Se assim fosse, a passagem regular de um simples comboio despertaria necessariamente em qualquer observador a mesma experiência, o que, de facto, não acontece. Pensem no “Homem do Violino” de que também nos fala o Tiago Fonseca. Quando tocou no metro, todos os que ali passavam o ignoraram, salvo um desses passantes, que não se submeteu ao estereótipo e se deixou fascinar pela magia daquela música.
 
Deixo-vos uma definição, proposta por Serge Netchine (1970, p. 304), das perspectivas filosóficas designadas por empirismo (cf. Locke e Hume, entre outros) e racionalismo (cf. Leibniz, entre outros) ou, na tradição da filosofia marxista, designadas por materialismo e idealismo:
“Os empiristas defendem que as ideias são adquiridas a partir da experiência e, portanto, que elas têm uma génese; mas, esta perspectiva é insatisfatória enquanto “doutrina da acomodação que esqueceu a existência da assimilação” (Piaget, 1970, p 68). Dito de outro modo, o empirismo propõe uma concepção do psiquismo…como construção passiva a partir da acção da realidade sensível.
Quanto aos racionalistas, eles são…inatistas, pois afirmam que as ideias estão no espírito antes de toda a experiência e que regulam as aquisições, em vez de derivarem delas. Assim sendo, insistem, correctamente, no papel activo do sujeito no conhecimento, mas negam ou subestimam os efeitos da experiência recebida por contacto com a realidade objectiva. Apresentam então “doutrinas da assimilação pura que esquecem as suas relações com a acomodação” (Piaget, 1970, p. 68)”. 
Percepcionar, memorizar, aprender, conhecer, pensar, sentir, será então, dizem-nos particularmente os psicólogos do desenvolvimento (Piaget, Vygotski e muitos outros), agir e interagir com o mundo externo ou interno a cada um de nós e, progressivamente, ir construindo e reconstruindo essa experiência empírica, a representação que temos de nós próprios e do mundo, à medida que se vai organizando e reorganizando a nossa própria acção, ou seja, a nossa conduta de relação connosco e com o mundo que vivemos.

O que será isto? Porque que é que os investigadores nos dizem que, basicamente, este é o processo de desenvolvimento psicológico?
Ficam estas duas questões para cada um pensar sozinho e, juntos, conseguirmos compreender, mais e melhor, o nosso comboio…

M. Stella Aguiar

Referências:
Netchine, S. (1970). Sur les notions d’enfance et de changement dans le débat entre rationalistes et empiristes. Enfance, (3-5), p. 303-324.

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