Normalmente, os modelos
das perturbações dos adultos são adoptados como base inicial para a compreensão
das mesmas perturbações em crianças. Da mesma forma, as intervenções
psicológicas dirigidas a perturbações na infância têm sido desenvolvidas a
partir de modelos cognitivo-comportamentais dirigidos às perturbações dos
adultos. Contudo, as crianças não são de forma alguma “pequenos adultos” e
quando trabalhamos com elas percebemos rapidamente que estes acompanhamentos têm
algumas particularidades e especificidades que os tornam bastante diferentes. Assim,
gostávamos de vos falar de dois aspectos que consideramos muito importantes:
Comecemos pelos aspectos do desenvolvimento da criança. O reconhecimento da importância das questões do desenvolvimento na conceptualização da psicopatologia na infância não é recente. Contudo, o impacto deste reconhecimento tem sido lento a ser filtrado para a literatura da intervenção. Muitos dos protocolos de avaliação e intervenção com crianças parecem assumir que as crianças de todas as idades são: (a) capazes da metacognição (ou seja, são capazes de "pensar sobre o seu próprio pensamento"); (b) capazes de entender o seu próprio estado emocional e o estado emocional dos outros; e (c) conseguem aprender a auto-regular o seu próprio comportamento. Estes protocolos parecem ignorar algo que o campo da psicologia do desenvolvimento investigou extensivamente - a presença de estádios de desenvolvimento cognitivo e socio-emocional e o facto de que estas capacidades só estão em geral totalmente desenvolvidas no final da infância. Assim, é nossa opinião que a valorização e o reconhecimento dos padrões de desenvolvimento devem proporcionar importantes guidelines para implementação de protocolos de intervenção com crianças.
Por último, mas não menos importante, gostávamos de
vos falar do facto de as crianças não
serem clientes individuais. Normalmente, não são as crianças que recorrem à
ajuda de um psicólogo, mas sim os seus pais/cuidadores. Procurar ajuda para si
mesmo é muito diferente de ser enviado pelos pais para o psicólogo! Inicialmente
as crianças podem não se sentir motivadas para a terapia e inclusivamente podem
opor-se à mesma. Este facto é importante e tem implicações directas na
intervenção com crianças. Um dos maiores desafios iniciais do psicólogo é fazer
com que a criança goste de estar na terapia e que queira voltar na próxima
sessão! Assim, os esforços para criar um ambiente divertido, afectivo e
agradável são essenciais para uma maior motivação da criança e dos pais. Outro
dos desafios enfrentados pelo psicólogo tem a ver com o facto das crianças e o
seu comportamento depender em grande parte do mundo que as rodeia. Consequentemente,
o papel da família é fundamental. É
importante identificar a visão dos pais sobre os problemas da criança, perceber
o papel das suas cognições e dos seus comportamentos no desenvolvimento e
manutenção do problema e avaliar a capacidade que eles têm para apoiar a
intervenção. A escola e outras influências contextuais também devem ser
consideradas. Deste modo quando trabalhamos com crianças, embora o objectivo
seja a mudança individual, múltiplas influências devem ser consideradas e
incorporadas.
Sabia
que?
Um estudo de Kendall e
Southam-Gerow (1996) observou que, passado um ano após a TCC dirigida às
perturbações de ansiedade, o que crianças relembraram como o mais importante
foi a “relação terapêutica” (nome do terapeuta, simpatia do terapeuta…) e o que
consideraram menos importante foi o preenchimento de questionários. Por outro
lado, 39% das crianças relataram ter usado pelo menos uma vez as estratégias aprendidas
e 27% relataram um uso activo actual. Em resposta a uma pergunta sobre
auto-confiança, 94% das crianças afirmaram que sua auto-confiança aumentou.
Teresa Marques
Vanessa Russo
Referências:
Barrett, P.M.
(2000). Treatment of childhood anxiety: developmental aspects. Clinical
Psychology Review, 20, 479-494.
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