sexta-feira, 28 de junho de 2013

[Psicriancices]: A Ansiedade em Crianças e Adolescentes


A Maria, de 9 anos, não gosta de dormir sozinha no seu quarto: “Ficas ao pé de mim mãe?”, diz ela. A mãe conta-lhe outra história, dá-lhe um beijinho e sai. Poucos minutos depois, a Maria aparece novamente à porta do quarto da mãe: “Acho que ouvi qualquer coisa no quintal! Tenho medo que alguém entre cá em casa!” Mãe: “Não está ninguém no quintal, não vai acontecer nada”. Maria: “Mas eu vi no telejornal mãe, pode entrar alguém cá em casa!” A Maria nunca se tinha preocupado com as notícias que davam na televisão. Só recentemente é que os seus pais se aperceberam que ela fica muito preocupada quando vê notícias.

Será que a Maria tem uma perturbação de ansiedade?
É possível, mas para termos a certeza precisaríamos de bastante mais informação.
As crianças com ansiedade veem o mundo como um lugar perigoso. Têm medo de se magoar, física ou socialmente e sentem-se ansiosas mesmo quando não existe um perigo real. A forma como as crianças lidam com a sua ansiedade pode torná-la pior. Se continuarem a evitar as coisas que as deixam ansiosas, nunca irão aprender estratégias eficazes para lidar com a ansiedade e esta continuará a aumentar.

O Medo e a Ansiedade
Ao longo da infância e adolescência surgem determinados medos, que são transitórios e normativos e que protegem a criança face a estímulos que são incompreendidos e incontroláveis para ela. Na sua maioria, os medos aparecem numa determinada fase de desenvolvimento de forma a facilitar a resolução de determinadas tarefas. São, por isso, adaptativos e tendem a desaparecer ou a diminuir quando deixam de o ser. As crianças em idade pré-escolar têm normalmente medo de coisas imaginárias (por exemplo, monstros escondidos debaixo da cama), enquanto que em idade escolar receiam sobretudo coisas reais que podem acontecer (por exemplo, serem assaltadas). Mais tarde, os medos têm tipicamente a ver com o possível fracasso escolar ou social.

Em algumas situações, os medos persistem depois de terem comprido a sua função adaptativa e interferem significativamente nas rotinas diárias da criança, podendo tornar-se patológicos.

As perturbações de ansiedade são consideradas uma das perturbações psiquiátricas mais prevalentes em crianças e adolescentes. Costello e colaboradores (2003), num estudo epidemiológico, verificaram que aproximadamente 10% das crianças sofrem de um problema de ansiedade clinicamente significativo antes dos 16 anos de idade.

Tem sido demonstrado que as perturbações de ansiedade interferem de forma significativa no funcionamento adaptativo da criança em diferentes domínios, como o escolar, o familiar e o das interações interpessoais. A presença destas perturbações na infância coloca em risco as aprendizagens escolares, as interações sociais e dificulta a resolução de tarefas de desenvolvimento, como por exemplo, a independência financeira, a separação da família de origem e a obtenção de um emprego. São ainda consideradas um fator de risco para o desenvolvimento posterior de outras perturbações de ansiedade, depressão e abuso de substâncias.

Sabia que?
Apesar da sua elevada prevalência, frequentemente as perturbações de ansiedade não são detetadas nem são alvo de intervenção. No estudo de Lyneham e Rapee (2007), os autores verificaram que apenas 32% das crianças identificadas como tendo uma perturbação de ansiedade já haviam recorrido a ajuda profissional. Segundo os autores, os sintomas de ansiedade podem ser vistos pelos pais como um traço de personalidade da criança que, por sua vez, não é modificável. Segundo os resultados do estudo, 81% das mães reconheceram problemas de externalização nos seus filhos, mas apenas 54% reconheceram sintomatologia de ansiedade. As crianças com ansiedade são normalmente calmas e obedientes e isto pode fazer com que os seus problemas passem despercebidos, por serem menos visíveis e menos perturbadores para os outros.


 SINAIS DE ALERTA

As crianças com uma perturbação de ansiedade podem:
O que os outros podem notar:
• Pedir tranquilizações frequentemente
• Dependem demasiado do adulto
• Pedem de ajuda em relação a coisas que já conseguem fazer sozinhos
• Evitar situações que as preocupam ou as deixam assustadas
• Não querem preparar-se para ir para a escola
• Não querem dormir sozinhos no seu quarto
• Tentar que sejam os outros a fazer as coisas que os deixam preocupados/com medo
• Perguntam frequentemente: “Podes ir lá tu?”
• Perguntam frequentemente: “Diz tu por mim?”; “Pede tu?”
• Apresentar queixas somáticas
• Queixam-se frequentemente de dores de cabeça ou de barriga, vómitos, náuseas, dores musculares
• Evitar situações novas e correr riscos
• Preocupam-se em fazer as coisas sempre bem
• Preferem ficar a ver do que participar
• Apresentar muitos medos
• Têm medo do escuro, de testes, de injeções, de cães, de germes e de ficar sozinho…
• Frustrar-se facilmente
• Choram facilmente
• Queixam-se frequentemente que gozam com eles
• Apresentar muitas preocupações
• Veem sempre um lado perigoso em tudo

Teresa Marques
Vanessa Russo

Bibliografia:
Albano, A. M., Chorpita, B. F., & Barlow, D. H. (2003). Childhood anxiety disorders. In E. J. Barkley, & R. A. Mash, Child Psychopathology (2 ed., pp. 279-329). New York: The Guilford Press.
Baptista, A., Carvalho, M., & Lory, F. (2005). O medo, a ansiedade e as suas perturbações. Psicologia, 19(1/2), 267-277.
Costello, E. J., Mustillo, S., Erkanli, A., Keeler, G., & Angold, A. (2003). Prevalence and Development of Psychiatric Disorders in Childhood and Adolescence. Archives of General Psychiatry, 60, 837-844.
Craske, M. (1997). Panic and anxiety in children and adolescent. Supplement to the Bulletin of the Menninger Clinic, 61, A4-A36.
Essau, C. A., Conrad, J., Petermanna, F., & Phil. (2000). Frequency, Comorbidity, and Psychosocial Impairment of Anxiety Disorders in German Adolescents. Journal of Anxiety Disorders, 14, 263-279.
Muris, P., Mayer, B., Bartelds, E., Tierny, S., & Bogie, N. (2001). The revised version of the Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED-R): treatment sensitivity in an early intervention trial for childhood anxiety disorders. British Journal of Clinical Psychology, 40, 323-336.
Rapee, R. M., Schniering, C. A., & Hudson, J. L. (2009). Anxiety disorders during childhood and adolescence: Origins and treatment. Annual Review of Clinical Psychology, 5, 311-341.

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