Quando
nos atrasamos nos nossos compromissos ficamos naturalmente com receio das
consequências. Ficaram chateados comigo? Não contarão mais comigo para outras
coisas? Cortarão relações? Esquecer-se-ão de que existo? Foi isso que aconteceu
comigo em relação ao presente texto.
Vergonhosamente a vida não proporcionou um
tempo e um espaço para corresponder ao meu compromisso. Este vazio, este
silêncio imposto pela ausência, deixa no ar o receio da quebra de um contacto,
uma interrupção na estabilidade de uma relação que se vinha mantendo. Quais são
as implicações? Naturalmente a primeira
é o sentimento de ansiedade que se traduz no desejo de ter feedback do meu
retorno. A procura de algo que me securize
sobre a manutenção do contacto pré-existente. Depois a necessidade de reparar a
falha, dizendo mais, sendo mais demonstrativo, querendo dizer ao outro que é
importante, querendo saber se sentiu a minha falta. Se o feedback tarda, se a reparação não é possível fica um sentimento
estranho que cada um resolve ou integra à sua maneira, reorientando a sua
comunicação, remetendo-se ao silencio, aguardando estoicamente o retorno da
comunicação. A opção terá a ver com a
minha capacidade de lidar com o tempo, a confiança que tenho em mim e na
relação que tenho com o outro, na importância que dou a essa relação, no
contexto em que ela se enquadra, no meu estado emocional à data… tanta coisa…
Mas ao limite tem a ver com a relação e como tal tem a ver com aquilo que
trabalho quando intervenho na prevenção.
Uma
das dinâmicas a que recorro quando quero trabalhar este tema, é de uma
simplicidade atroz. Começo por pedir aos participantes que procurem um lugar na
sala onde se instalem confortavelmente de olhos fechados. Depois, muito
simplesmente circulo pela sala tocando-os de modo a ligarem-se ou a
desligarem-se do mundo (se estão ligados o toque desliga-os). Quando ligados,
cada um decide como se quer ligar ao mundo, sendo que não pode abrir os olhos
nem sair de onde está. Mas pode falar, cantar, fazer ruídos ou mesmo… ficar em
silêncio. E o jogo vai decorrendo, comigo a deambular por entre o grupo,
permitindo ou interrompendo conversas, brincando com o ritmo com que se liga ou
se desliga alguém, alargando ou reduzindo a rede de pessoas em contacto
simultâneo. No final de 5 minutos, gera-se a reflexão em torno da experiência.
“Senti-me muito sozinho. Ninguém me respondia.” Fiquei chateada porque fiz-lhe
uma pergunta e ele não respondia. Só depois é que percebi que se calhar tinha
sido desligado.” “E eu aflito porque ela ia ficar chateada comigo!”. “E preferi
ficar calado a ouvir as conversas”. “Eu não sabia o que havia de dizer. Mas
depois reconheci a voz de alguém que estava ao pé de mim e tudo se tornou mais
fácil.”
A
relação encontra os seus caminhos por entre os silêncios. Alguns são incómodos,
outros aguçam o desejo do reatamento. Alguns são pesados, outros são
preenchidos de significado. Os silêncios
pautam a relação, dão-lhe cadência, criam espaço para a imaginação que os
preenche, a dúvida que alimenta a comunicação, que por sua vez alimenta a
relação.
Peço
desculpa pela minha ausência… a relação segue dentro de momentos.
Raúl
Melo
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