É
cedo, são seis da manhã e estou atrasado a caminho para o aeroporto. As viagens
deixam-me sempre muito acelerado. Há todo um fascínio na ida para outro país
mesmo quando o motivo é trabalho. O fuso horário muda, as gentes mudam, o ritmo
muda. Contudo não muda da mesma maneira para todos. À minha volta há quem corra
(mais do que eu), há quem se arraste pelos acessos às portas de embarque
(afinal de contas não deixam de ser seis da manhã), há quem se descontraia, há
que se exercite, há quem já jogue um jogo qualquer na consola. O tempo, sendo comum a todos, é ao mesmo
tempo tão diferente. Para uns pode ser denso, para outros fluido, para uns
pode ser viscoso, chato e interminável, para outros é solto e rápido. No entanto, estamos todos no mesmo tempo.
Ou não estaremos? Se isso é indubitável no que diz respeito ao tempo físico, já
não o é no plano biológico (idades, origens geográficas, sexos,…) ou no plano
psicológico (tristeza, alegria, stress, tranquilidade,…) em que a vivência do
tempo é muito diferente.
Usei
frequentemente nas minhas dinâmicas de grupo, o exercício de dar a pessoas
diferentes, uma tarefa de natureza variada e pedir-lhes que contassem tempo.
Assim, enquanto uns corriam pela sala, outros enfrentavam as paredes, outros
tinham de olhar fixamente os olhos de um desconhecido, enquanto outros ainda se
mantinham em posições que diferiam na escala de desconforto. Invariavelmente o
mesmo intervalo de tempo esticava ou encurtava consoante a contagem era feita
por alguém que se sentia bem ou mal na tarefa.
Porque
é que eu usava esta dinâmica num grupo de formação? Porque frequentemente nos
confrontamos com situações em que reagimos aos outros sem levar em consideração
a sua vivência particular do tempo. O contexto escolar, por exemplo, obriga a
processos muito complicados de adaptação a ritmos e tempos diferentes. A cadência
da exposição do professor, o “compasso” das diferentes matérias, o impacto do
relógio de necessidades do nosso corpo, marcam de forma diversa o estar nas
aulas. O cruzamento dos diferentes “estares” provoca uma cacofonia desarmoniosa
frequentemente mal entendida e mal gerida por todas as partes. Mas também em
casa esta realidade se verifica. É frequente que quando os mais velhos começam
a acordar estão os mais novos a pensar em dormir ou vice-versa consoante a fase
do ciclo de vida. De acordo com as tarefas, constroem-se críticas em torno do
ritmo de trabalho ou do ritmo de laser. Nem sempre se encontram tempos
compartilhados ou simplesmente ritmos paralelos. E se tal não acontece como se
pode esperar uma construção conjunta, ou diálogo uma partilha? São já bastantes
os projectos e programas de trabalho que fazendo da promoção de um tempo –
interno e externo – comum, um ponto de partida para o entendimento,
concentração e entrega. Este tipo de abordagem tem expressão em contextos tão
diferentes, quanto o escolar, familiar, organizacional, clínico entre outros. É
muito curioso pensar como o tempo pode dar espaço à relação, ao conhecimento, à
consciência de si e dos outros. Da mesma maneira é curioso perceber como o
espaço pode dar tempo à relação, ao sentimento, à identidade. Mas disso
falaremos noutro dia.
Neste
momento são oito da manhã. A correria deu lugar a um voo tranquilo e os
pensamentos fugidios puderam finalmente concretizar-se neste pequeno texto que
estava em atraso. E do tempo investido se gera tranquilidade e da tranquilidade
emerge um tempo de qualidade. Fechemos os olhos e descansemos enfim…
Raul
Melo
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