Um
Comboio para o Desenvolvimento Psicológico
Jean Guitton, um filósofo
católico francês, na autobiografia intitulada “Um século, uma vida” conta-nos
como, desde a atracção que sentia pelo “Rápido
de Paris”, chegou ao tema que o iria apaixonar toda a vida, o Tempo e a Eternidade. Talvez porque
este livro foi o primeiro de muitos outros traduzido pela minha mãe e talvez
porque o acaso da vida me faz ouvir periodicamente o comboio de Cascais, também
para mim este som familiar tem o poder evocar o tempo, não só o tempo
intemporal e eterno, mas o tempo do nosso próprio desenvolvimento psicológico.
Porque,
sempre que o combóio passa, o som muda e evolui, primeiro leve e longínquo,
depois cada vez mais forte e mais próximo e, por fim, de novo, mais e mais esbatido
e distante. Porque o comboio passa todos os dias, regularmente,
e aquele som familiar vai marcando o presente, que logo se transforma em
passado e que, antes, era esperado como futuro. E também porque a passagem regular
daquele comboio parece eterna, sempre outra e sempre igual, como se o tempo
nada mudasse e apenas reproduzisse uma sucessão de sons familiares e também
como se o tempo tudo mudasse, porque muda sempre a experiência de quem o pressente.
Veremos
então como esta simples experiência de um comboio que passa nos transporta para
algumas dimensões básicas e fundamentais do desenvolvimento psicológico de cada
um de nós e, porque não arriscar, das comunidades humanas, em geral.
Embora este objectivo
possa parecer muito global e até demasiado teórico, acredito que não o é.
Neste
espaço que me foi aberto pelo Tiago Fonseca, um dos meus estudantes de
Psicologia do Desenvolvimento da Universidade de Lisboa que nunca mais pude
esquecer, pretendo apenas retomar e continuar a reflectir sobre a questão que
ele próprio colocou a duas jovens que frequentam hoje o 2º ano dos nossos
cursos:
“Psicologia. Porque continua a fazer
sentido?”
É,
de facto, uma questão importante! Recordemos então o que
nos diziam a Ana Mesquita e a Filipa Vieira.
“Porque cada cantinho do mundo é
influenciado por nós, e…perceber um pouco do que nos move, é perceber mais um
pedaço…desse mundo que também é nosso…Porque continua a ser-me imprescindível
uma maior compreensão dos outros e, acima de tudo, de mim, enquanto indivíduo
genérico e enquanto eu, passado, presente e possível futuro” (Ana Mesquita).
“Porque é bom sentir que consigo com
algumas palavras ajudar bastantes pessoas a conseguirem continuar com as suas
vidas… Basicamente aquele é o meu motivo: ajudar as pessoas através de palavras
e de apoio” (Filipa Vieira).
Acredito que, de uma
forma ou de outra, toda a história do pensamento e do conhecimento se dirige ao
homem e procura promover o bem-estar, físico e psicológico, de todos e de cada
um de nós. A teologia e a filosofia querem conhecer o porquê de
Deus, do universo e do pensamento humano; muitas e diversas ciências querem
descrever e compreender, de forma objectiva, como é, como funciona e como se
pode controlar, o mundo físico e os seus organismos; mas, só
a psicologia procura conhecer e pensar, mais e melhor, a conduta humana, essa
experiência de relação do homem consigo mesmo e com o seu mundo físico e
social.
Ora,
por um lado, é precisamente essa experiência, essa representação que nós
próprios construímos, que tem o poder de transformar o mundo no nosso mundo e
que tem, por isso, o poder de transformar os tempos de vida de cada um de nós
em espaços de tristeza ou de bem-estar, em fases de regressão ou de
desenvolvimento pessoal, em síntese, que tem o poder nos ir transformando,
pouco a pouco, em pessoas psicologicamente mais ou menos equilibradas e
felizes. Por outro lado, é precisamente
esse objectivo, esse conhecimento e compreensão da conduta e da experiência
humana que permitem ao psicólogo ajudar os outros e a si próprio através de
formas de avaliação e de ajuda de natureza relacional, interpessoal e
intersubjectiva.
Concluindo, também para
mim, a Psicologia e, particularmente a Psicologia do Desenvolvimento fazem
sentido, pois propõem uma conjugação do objecto e do método de conhecimento que
lhe é própria e que não se encontra em qualquer outra disciplina.
Mas,
ainda se lembram do comboio? Cada vez que passa, parece sempre igual e sempre
diferente.
Então, daqui a uns
dias, começaremos a reflectir sobre esta imagem e sobre o sentido do
conhecimento científico e da prática em psicologia do desenvolvimento.
M. Stella Aguiar
Referências
Guitton, J. (1995). Um século, uma vida. Coimbra: Gráfica de
Coimbra, Lda.
Sem comentários:
Enviar um comentário