quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

[Comboio do Desenvolvimento]: O Comboio

Um Comboio para o Desenvolvimento Psicológico

Jean Guitton, um filósofo católico francês, na autobiografia intitulada “Um século, uma vida” conta-nos como, desde a atracção que sentia pelo “Rápido de Paris”, chegou ao tema que o iria apaixonar toda a vida, o Tempo e a Eternidade. Talvez porque este livro foi o primeiro de muitos outros traduzido pela minha mãe e talvez porque o acaso da vida me faz ouvir periodicamente o comboio de Cascais, também para mim este som familiar tem o poder evocar o tempo, não só o tempo intemporal e eterno, mas o tempo do nosso próprio desenvolvimento psicológico.
Porque, sempre que o combóio passa, o som muda e evolui, primeiro leve e longínquo, depois cada vez mais forte e mais próximo e, por fim, de novo, mais e mais esbatido e distante. Porque o comboio passa todos os dias, regularmente, e aquele som familiar vai marcando o presente, que logo se transforma em passado e que, antes, era esperado como futuro. E também porque a passagem regular daquele comboio parece eterna, sempre outra e sempre igual, como se o tempo nada mudasse e apenas reproduzisse uma sucessão de sons familiares e também como se o tempo tudo mudasse, porque muda sempre a experiência de quem o pressente.

Veremos então como esta simples experiência de um comboio que passa nos transporta para algumas dimensões básicas e fundamentais do desenvolvimento psicológico de cada um de nós e, porque não arriscar, das comunidades humanas, em geral.

Embora este objectivo possa parecer muito global e até demasiado teórico, acredito que não o é.
Neste espaço que me foi aberto pelo Tiago Fonseca, um dos meus estudantes de Psicologia do Desenvolvimento da Universidade de Lisboa que nunca mais pude esquecer, pretendo apenas retomar e continuar a reflectir sobre a questão que ele próprio colocou a duas jovens que frequentam hoje o 2º ano dos nossos cursos:

“Psicologia. Porque continua a fazer sentido?”
            É, de facto, uma questão importante! Recordemos então o que nos diziam a Ana Mesquita e a Filipa Vieira.
“Porque cada cantinho do mundo é influenciado por nós, e…perceber um pouco do que nos move, é perceber mais um pedaço…desse mundo que também é nosso…Porque continua a ser-me imprescindível uma maior compreensão dos outros e, acima de tudo, de mim, enquanto indivíduo genérico e enquanto eu, passado, presente e possível futuro” (Ana Mesquita).
Porque é bom sentir que consigo com algumas palavras ajudar bastantes pessoas a conseguirem continuar com as suas vidas… Basicamente aquele é o meu motivo: ajudar as pessoas através de palavras e de apoio” (Filipa Vieira).

Acredito que, de uma forma ou de outra, toda a história do pensamento e do conhecimento se dirige ao homem e procura promover o bem-estar, físico e psicológico, de todos e de cada um de nós. A teologia e a filosofia querem conhecer o porquê de Deus, do universo e do pensamento humano; muitas e diversas ciências querem descrever e compreender, de forma objectiva, como é, como funciona e como se pode controlar, o mundo físico e os seus organismos; mas, só a psicologia procura conhecer e pensar, mais e melhor, a conduta humana, essa experiência de relação do homem consigo mesmo e com o seu mundo físico e social.
Ora, por um lado, é precisamente essa experiência, essa representação que nós próprios construímos, que tem o poder de transformar o mundo no nosso mundo e que tem, por isso, o poder de transformar os tempos de vida de cada um de nós em espaços de tristeza ou de bem-estar, em fases de regressão ou de desenvolvimento pessoal, em síntese, que tem o poder nos ir transformando, pouco a pouco, em pessoas psicologicamente mais ou menos equilibradas e felizes. Por outro lado, é precisamente esse objectivo, esse conhecimento e compreensão da conduta e da experiência humana que permitem ao psicólogo ajudar os outros e a si próprio através de formas de avaliação e de ajuda de natureza relacional, interpessoal e intersubjectiva.

Concluindo, também para mim, a Psicologia e, particularmente a Psicologia do Desenvolvimento fazem sentido, pois propõem uma conjugação do objecto e do método de conhecimento que lhe é própria e que não se encontra em qualquer outra disciplina.    
Mas, ainda se lembram do comboio? Cada vez que passa, parece sempre igual e sempre diferente.
Então, daqui a uns dias, começaremos a reflectir sobre esta imagem e sobre o sentido do conhecimento científico e da prática em psicologia do desenvolvimento.

M. Stella Aguiar

Referências
Guitton, J. (1995). Um século, uma vida. Coimbra: Gráfica de Coimbra, Lda.

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