Não
parece nada fácil.
Hábitos,
trejeitos, expressões, tiques, posturas, perífrases, metáforas, eufemismos,
silêncios, opiniões. Trabalho árduo de construção, trabalho fácil de
habituação.
É
assim que funcionamos ao longo da vida: primeiro, não sabemos nada, tabula
rasa sedenta de vontade de integrar. Nesta altura desenvolvem-se as mais
refinadas estratégias de acomodação e assimilação, entenda-se isto como um
passo crucial na integração da novidade (que por esta altura deve ser tudo).
Posteriormente, a confiança aumenta e também a selecção do que queremos
apreender fica mais evidente.
O
contexto induz-nos a gostar mais de umas coisas em detrimento de outras e isso
é legítimo. O indivíduo X nasce num meio abastado e intelectualmente
desenvolvido, que fomenta o gosto pela arte. Não nos iludamos: o indivíduo X
começará por querer saber tudo mas posteriormente, na arrogância do
desenvolvimento, tenderá a escolher o que vai ao encontro do seu interesse,
genético mas também aprendido. Se assim for, poderá ir a concertos, poderá
ouvir sonatas e poderá ter amigos leitores assíduos. Tal como ele, também nós
passamos pela tendência de usar o que de melhor nos cabe e que ficará
automatizado. Talvez para nos pouparmos a novos investimentos intelectuais,
para nos tornarmos rápidos a escolher e a depreciar, para ingenuamente
considerarmos a certeza de que sabemos bem de que somos feitos.
E
assim, nós, que tínhamos uma casa com dezenas de andares, que começamos bem,
criativos, empreendedores, sanguessugas de informação, sabotamos a oportunidade
que temos para evoluir e abrir novos caminhos. Na verdade, passamos grande
parte da vida a utilizar apenas um ou dois andares da casa que somos. Porque
cansa, arrisca, perturba, desestabiliza. É este o retrato que temos da mudança:
"periguifica" tudo o que alcançámos, que mesmo que não seja
bom, é nosso.
A
mudança não tem mau carácter (passo a personificação). Apenas nos quer mostrar
que não nos permitimos experimentar o máximo, quando é essa a nossa obrigação
existencial.
E assim, ao longo do desenvolvimento,
sedimentamos a tendência cerebral para pensar em termos de opostos redutores:
através da etiquetagem dicotómica bom/mau, feio/bonito, moral/imoral,
possível/impossível. Entre outras, neste dislate criativo. Consequentemente,
quanto mais se pensa em termos de conceitos divergentes, mais se desenvolvem
essas redes neuronais rápidas e rígidas que corroboram o sentido polarizado dos
comportamentos dos outros e dos acontecimentos.
Para
MU(Dar) pede-se flexibilidade, arte de discernimento e ainda
criatividade interpretativa com abertura a alternativas. Pede-se análise
escrutinada, capacidade para experimentar o lugar do outro, para abandonar o
juízo crítico-destrutivo e abarcar um sentido cooperativo de acção e reflexão.
Pede-se pouco. Pede-se congruência com a evolução humana, biológica e
social. Pede-se que consigamos isto por nós e pelos outros.
Na ausência de novas estratégias,
usam-se as antigas: disfuncionais ou não. Peca-se assim quase sempre pela não
mudança.
É esta a miséria que mais nos afecta, antes de
qualquer outra.
Ana Rita Caldeira da Silva
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