René Descartes nasceu em La Haie, França, em 1596, e é considerado
o inaugurador da época moderna da história da filosofia e primeiro
representante da corrente racionalista, tendo colocado como núcleo da pesquisa
filosófica o problema do conhecimento. Opondo-se veementemente à tradição
escolástica de influência aristotélica, Descartes
foi movido pela preocupação de encontrar um fundamento absoluto e irrefutável
para as ciências numa tentativa de criar um sistema universal do saber.
Com
esse objectivo, procede à articulação das regras a que deve obedecer o método
«para bem encaminhar a razão e procurar a verdade nas ciências»:
-
regra da evidência:
«recusar todos os preconceitos, não tomando como verdadeira nenhuma coisa sem
que a conheça evidentemente como tal e se apresente ao meu espírito tão clara e
distintamente que dela não possa duvidar».
-
regra da análise:
«dividir cada um dos problemas que se me apresente no maior número de parcelas
possível».
-
regra da síntese:
«conduzir os raciocínios ordenadamente, partindo dos mais simples para os mais
complexos».
-
regra da enumeração:
«proceder a enumerações tão completas e revisões tão gerais que possa estar
certo de nada haver omitido».
Procurando,
no entanto, um suporte metafísico para o seu sistema, parte de uma posição de
ceticismo em que põe em causa a fiabilidade dos sentidos e considera como
ilusório o mundo sensível; chega mesmo a considerar a possibilidade da
inexistência de Deus, substituindo-o por um «génio maligno» cuja astúcia o poderia
induzir em erro até nas verdades mais seguras das ciências dedutivas (dúvida
hiperbólica). No entanto, é este mesmo processo que o conduz à verificação de
uma evidência que admite incontestável - até ao duvidar, a consciência tem de
existir -, formulada na célebre asserção «Penso, logo existo». O vigor com que
tal constatação se apresenta na consciência serve-lhe como primeiro critério
de verdade, levando-o a propor que, «regra geral, todas as coisas que sejam
concebidas de forma tão clara e tão distinta serão igualmente verdadeiras».
Encontrada
na afirmação da substancialidade do eu pensante («res cogitans») uma
base suficientemente firme para o seu sistema, falta a Descartes, no entanto,
ultrapassar o puro solipsismo que dela advém. Para o realizar, apoia-se na
análise dos conteúdos da consciência pensante e, em particular, na constatação
da presença nesta da ideia de um ser perfeito. Admitindo que as ideias
podem ter três origens - os sentidos, a própria consciência ou uma instância
superior -, conclui que a ideia de um ser perfeito não pode surgir dos
sentidos, pois estes não podem dar origem a nada com maior realidade objectiva
(i. é, das representações acidentais dos sentidos não pode provir a ideia de
uma substância). Do mesmo modo, não pode ter origem na própria consciência,
visto que a ideia de um ser perfeito não pode provir de uma substância
imperfeita (o efeito não pode ser superior à causa). Portanto, a ideia de ser
perfeito só pode estar presente na consciência enquanto ideia inata, por acção
directa de Deus que, consequentemente, tem de existir e, devido à sua
perfeição, não deverá ser fonte de qualquer malícia, pelo que se pode,
finalmente, afastar a hipótese do «génio maligno» e pôr de parte o cepticismo
inicial. A prova da existência de Deus reveste-se, portanto, de uma dupla
função: como garantia da realidade do mundo sensível e da validade
objectiva do conhecimento.
Do
encontro da substancialidade do eu pensante deriva o dualismo ontológico de
Descartes, que separa radicalmente a «res cogitans» (substância espiritual e
livre) da «res extensa» (substância material, mecanicamente determinada por
Deus). Esta última, caracterizada pela extensão e pelo movimento, torna-se
passível de conhecimento quantitativo, i.e, de uma abordagem matemática,
relegando para o domínio da pura fantasia a física de tradição aristotélica,
centrada em conceitos de ordem quantitativa e num esquema explicativo baseado
na causalidade final.
Personagem
de interesses diversos, Descartes notabilizou-se também nas ciências, tendo
sido o criador da geometria analítica. Pretendendo colocar-se em ruptura com
todo o pensamento anterior, esconde importantes influências, em especial as de
Santo Agostinho (que segue uma via próxima na afirmação da irredutibilidade do
eu pensante) e Santo Anselmo (no qual inspirou a prova para a existência de
Deus).
Morre
em Estocolmo em 1650 - ficou para a
filosofia como o grande impulsionador da autonomização do sujeito-razão.
Margarida Rodrigues
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