A imagem do nosso
comboio – lembram-se? - levou-nos a descobrir que o tempo é uma dimensão
fundamental do desenvolvimento psicológico. Porém, não é o próprio tempo que atrai
os psicólogos do desenvolvimento, mas sim os processos temporais, a
sucessão de mudanças de comportamento que ocorrem no tempo e que não resultam
necessariamente da idade ou do tempo de vida do nosso próprio organismo.
Vejamos então, hoje, como este interesse pelos
processos temporais que marcam o desenvolvimento psicológico levou alguns
investigadores a questionarem e descreverem a génese do nosso próprio conhecimento do tempo.
Deixo-vos um episódio surpreendente narrado por Jean
Piaget.
“Há
muitos anos (em 1928), A. Einstein, que presidiu, na Suíça, um encontro sobre
filosofia da ciência, interessou-se por alguns dos nossos resultados sobre a
causalidade física na criança e aconselhou-nos a estudar o seguinte problema: A
intuição da velocidade supõe, na sua formação, uma compreensão prévia da
duração ou constitui-se independentemente dela?”
(Piaget, 1974, p.63). Ou, dito de outro modo: “A intuição subjectiva do tempo é primitiva ou derivada, é solidária ou
não da intuição da velocidade?” (Piaget, 1946a/2002, Prefácio)
Segundo Piaget (1974),
esta questão visava, de facto, saber se, na sua génese, o conhecimento ou a
representação que temos do tempo corresponde à descrição da mecânica clássica
(a velocidade é função da relação entre duas intuições elementares, o espaço
percorrido e a duração) ou à descrição da mecânica relativista (a duração é,
ela própria, função da velocidade).
Porém, o que esta questão nos mostra também é que o estudo dos processos temporais que marcam
o desenvolvimento psicológico (ou, neste caso, o desenvolvimento cognitivo)
faz mesmo sentido, até para Einstein.
Porquê?
Porque, ao contrário
das epistemologias clássicas, só a epistemologia genética, proposta por Piaget, poderia indagar como o
pensamento humano chega ao conceito de tempo partilhado pelos adultos e largamente
debatido pelos filósofos, físicos, biólogos, e outros pensadores. Dito de outro
modo, só a epistemologia genética poderia questionar e descrever como o
conhecimento sobre o tempo se vai organizando, transformando e construindo no
próprio tempo, ao longo da ontogénese de cada um de nós.
Comecemos então, porque
mais atractivo para os nossos leitores, por um estudo sobre o tempo
psicológico e vejamos como Piaget conversava com as crianças e indagava
a representação que tinham sobre a idade
das pessoas.
“Quantos
anos tens? Quatro e meio. Tens irmãos? Um irmão mais velho. Tu nasceste antes
ou depois dele? Antes. Então qual é o mais velho? É o meu irmão, ele é maior….
Quando ele era pequeno, quantos anos tinha mais do que tu? Dois. E agora?
Quatro. Então a diferença pode mudar? Sim. Se eu comer muito eu passo à frente
dele. Como é que sabemos que uma pessoa é mais velha? Porque a gente é maior.
A
mãe é mais velha do que tu? Sim. E a avó é mais velha do que a mãe? Não. São da
mesma idade? Sim. Cada ano que passa, a avó fica mais velha? Ela fica a mesma
coisa. E a mãe? Fica a mesma coisa. E tu? Eu fico mais velho. E a mãe
envelhece? Não. Porquê? Ela já é velha.” (Piaget, 1946a, p. 229-233)
Uma enorme confusão?
Estas crianças não estavam “com atenção”? Nem sequer perceberam as perguntas?
Será que precisam de aprender esta matéria “como deve ser”, de ir para a
escola, de mudar de educador? Ou serão crianças “problemáticas” que necessitam
de apoio psicológico?
Não! Não se preocupem
com as crianças. Elas estavam atentas, percebiam o que Piaget perguntava e
deram respostas até muito consistentes. Preocupem-se antes convosco, pois somos
nós, adultos, que estamos a pecar por egocentrismo
do pensamento.
Einstein foi, de facto,
um génio. Porque descobriu e propôs a teoria da relatividade. E também –
perdoem-me a centração! – porque
descobriu que era importante saber o que os mais pequemos sabiam do tempo.
Desafio então os meus
leitores, particularmente os psicólogos, a um exercício de descentração cognitiva ainda mais exigente do que aquele que
despertou a curiosidade de Einstein para a psicologia do desenvolvimento
cognitivo. Se assim o fizerem, conseguirão compreender esta forma de
representar o tempo, e também do mundo, que Piaget descobriu e que designou pensamento
pré-operatório.
M. Stella Aguiar
Referências
Flavell (1963). The developmental
psychology of Jean Piaget. Princeton, NJ: Van Nostrand (Trad. Portuguesa, São Paulo: Pioneira Editora, 1975)
Piaget (1946a). Le développement de
la notion de temps chez l’enfant. Paris: PUF. (Trad. Portuguesa, RJ:
Record, 2002)
Piaget, J. (1946b). Les notions de mouvement et de vitesse chez l’enfant.
Paris: PUF.