quinta-feira, 23 de maio de 2013

[Comboio do Desenvolvimento] O Tempo na Psicologia do Desenvolvimento

A imagem do nosso comboio – lembram-se? - levou-nos a descobrir que o tempo é uma dimensão fundamental do desenvolvimento psicológico. Porém, não é o próprio tempo que atrai os psicólogos do desenvolvimento, mas sim os processos temporais, a sucessão de mudanças de comportamento que ocorrem no tempo e que não resultam necessariamente da idade ou do tempo de vida do nosso próprio organismo.
Vejamos então, hoje, como este interesse pelos processos temporais que marcam o desenvolvimento psicológico levou alguns investigadores a questionarem e descreverem a génese do nosso próprio conhecimento do tempo.

Deixo-vos um episódio surpreendente narrado por Jean Piaget.
“Há muitos anos (em 1928), A. Einstein, que presidiu, na Suíça, um encontro sobre filosofia da ciência, interessou-se por alguns dos nossos resultados sobre a causalidade física na criança e aconselhou-nos a estudar o seguinte problema: A intuição da velocidade supõe, na sua formação, uma compreensão prévia da duração ou constitui-se independentemente dela?” (Piaget, 1974, p.63). Ou, dito de outro modo: “A intuição subjectiva do tempo é primitiva ou derivada, é solidária ou não da intuição da velocidade?” (Piaget, 1946a/2002, Prefácio) 
 
Segundo Piaget (1974), esta questão visava, de facto, saber se, na sua génese, o conhecimento ou a representação que temos do tempo corresponde à descrição da mecânica clássica (a velocidade é função da relação entre duas intuições elementares, o espaço percorrido e a duração) ou à descrição da mecânica relativista (a duração é, ela própria, função da velocidade).
Porém, o que esta questão nos mostra também é que o estudo dos processos temporais que marcam o desenvolvimento psicológico (ou, neste caso, o desenvolvimento cognitivo) faz mesmo sentido, até para Einstein.

Porquê?
Porque, ao contrário das epistemologias clássicas, só a epistemologia genética,  proposta por Piaget, poderia indagar como o pensamento humano chega ao conceito de tempo partilhado pelos adultos e largamente debatido pelos filósofos, físicos, biólogos, e outros pensadores. Dito de outro modo, só a epistemologia genética poderia questionar e descrever como o conhecimento sobre o tempo se vai organizando, transformando e construindo no próprio tempo, ao longo da ontogénese de cada um de nós.
Comecemos então, porque mais atractivo para os nossos leitores, por um estudo sobre o tempo psicológico e vejamos como Piaget conversava com as crianças e indagava a representação que tinham sobre a idade das pessoas.

“Quantos anos tens? Quatro e meio. Tens irmãos? Um irmão mais velho. Tu nasceste antes ou depois dele? Antes. Então qual é o mais velho? É o meu irmão, ele é maior…. Quando ele era pequeno, quantos anos tinha mais do que tu? Dois. E agora? Quatro. Então a diferença pode mudar? Sim. Se eu comer muito eu passo à frente dele. Como é que sabemos que uma pessoa é mais velha? Porque a gente é maior.
A mãe é mais velha do que tu? Sim. E a avó é mais velha do que a mãe? Não. São da mesma idade? Sim. Cada ano que passa, a avó fica mais velha? Ela fica a mesma coisa. E a mãe? Fica a mesma coisa. E tu? Eu fico mais velho. E a mãe envelhece? Não. Porquê? Ela já é velha.” (Piaget, 1946a, p. 229-233)

Uma enorme confusão? Estas crianças não estavam “com atenção”? Nem sequer perceberam as perguntas? Será que precisam de aprender esta matéria “como deve ser”, de ir para a escola, de mudar de educador? Ou serão crianças “problemáticas” que necessitam de apoio psicológico?
Não! Não se preocupem com as crianças. Elas estavam atentas, percebiam o que Piaget perguntava e deram respostas até muito consistentes. Preocupem-se antes convosco, pois somos nós, adultos, que estamos a pecar por egocentrismo do pensamento.
Einstein foi, de facto, um génio. Porque descobriu e propôs a teoria da relatividade. E também – perdoem-me a centração! – porque descobriu que era importante saber o que os mais pequemos sabiam do tempo.


Desafio então os meus leitores, particularmente os psicólogos, a um exercício de descentração cognitiva ainda mais exigente do que aquele que despertou a curiosidade de Einstein para a psicologia do desenvolvimento cognitivo. Se assim o fizerem, conseguirão compreender esta forma de representar o tempo, e também do mundo, que Piaget descobriu e que designou pensamento pré-operatório. 

M. Stella Aguiar

Referências
Flavell (1963). The developmental psychology of Jean Piaget. Princeton, NJ: Van Nostrand (Trad. Portuguesa, São Paulo: Pioneira Editora, 1975)
Piaget (1946a). Le développement de la notion de temps chez l’enfant. Paris: PUF. (Trad. Portuguesa, RJ: Record, 2002)
Piaget, J. (1946b). Les notions de mouvement et de vitesse chez l’enfant. Paris: PUF.

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