Dos
constructos cognitivos condicionantes da percepção à que destacar os
estereótipos. Estas estruturas
cognitivas são compostas, segundo Hamilton e Trolier (1986), pelos nossos conhecimentos e expectativas,
ou seja, pelos resultados psicológicos
das nossas experiências. Ainda segundo os autores, os estereótipos determinam os nossos julgamentos e avaliações, acerca
de grupos e/ou dos seus membros. Acrescento
aqui, também, além do apontado pelos autores, o contexto e os seus estímulos.
Deixo-vos
um exemplo, ocorrido no ano passado numa estação de metro, nos Estados Unidos
da América. Segue o relato escrito e o clip com o ocorrido.
“Um homem sentou-se numa estação de metro de
Washington DC e começou a tocar violino, era uma fria manhã de Janeiro; Ele
tocou seis peças de Bach durante aproximadamente 45 minutos. Durante esse
tempo, já que era hora de ponta, calcula-se que cerca de 1,100 pessoas
atravessaram a estação, a sua maioria, a caminho do trabalho.
Três minutos passaram quando um
homem de meia idade notou que o músico estava a tocar, abrandou o passo e parou
por alguns segundos, mas continuou depois o seu percurso para não chegar
atrasado.
Um minuto depois, o violinista
recebeu o seu primeiro dólar: uma senhora atirou o dinheiro sem sequer parar e
continuou o seu caminho.
Alguns minutos depois, alguém se
encostou à parede para o ouvir, mas olhando para o relógio retomou a marcha.
Estava claramente atrasado para o trabalho.
Quem prestou maior atenção foi um
menino de 3 anos. A mãe trazia-o pela mão, apressada, mas a criança parou para
olhar para o violinista. Finalmente, a mãe puxou-o com mais força e o miúdo
continuou a andar, virando a cabeça várias vezes para ver o violinista. Esta
acção foi repetida por várias outras crianças. Todos os pais, sem excepção,
obrigaram as crianças a prosseguir.
Nos 45 minutos em que o músico
tocou, somente 6 pessoas pararam por algum tempo. Cerca de 20 deram-lhe
dinheiro mas continuaram no seu passo normal. Ele recolheu cerca de 32 dólares.
Quando ele parou de tocar e o silêncio tomou conta do lugar, ninguém se deu
conta. Ninguém aplaudiu, nem houve qualquer tipo de reconhecimento.
Ninguém
sabia que este violinista era Joshua Bell, um dos mais talentosos músicos do
mundo. Ele tocou algumas das peças mais elaboradas alguma vez escritas num
violino de 3,5 milhões de dólares. Dois dias antes de tocar no metro, Joshua
Bell esgotou um teatro em Boston, onde cada lugar custou em média 100 dólares.
Esta é uma história real, Joshua
Bell tocou incógnito na estação de metro num evento organizado pelo Washington
Post que fazia parte de uma experiência social sobre percepção, gostos e
prioridades.”
Acrescento
que a mulher que surge na segunda parte do clip mostrando todo o interesse
durante grande parte da actuação, justifica a mesma com o conhecimento que tem
de quem é Joshua Bell.
Não
existiu, claramente, uma percepção clara do que estava a ocorrer. Podemos
deduzir várias hipóteses: não existem expectativas para aquele acontecimento
naquele contexto; as prioridades individuais não permitiam a percepção da
actuação de forma adequada; variáveis idiossincráticas que justificam a não
atenção; Tendo em conta tudo o que já foi dito neste espaço sobre percepção,
estas hipóteses podem ter base em estereótipos.
A realidade de cada um é uma
construção realizada pelas suas percepções.
As nossas percepções são resultado de estereótipos, expectativas, motivações e
resultados anteriores que são projectados para as situações actuais.
Devido
a razões idiossincráticas, centenas de pessoas perderam uma actuação espantosa,
e de forma gratuita. Outra variável da
percepção, que aqui faria, com certeza, diferença, é a informação disponível no
contexto, que, se disponível sobre esta actuação, várias pessoas teriam parado
para ouvir.
A
mulher do final do clip que fala com o músico não padece do estereótipo de
todos os outros. A informação que tem do contexto é oposta a todas as outras
pessoas: sabe quem realiza a actuação e pára para ouvir, prestando uma atenção
que apenas uma motivação intrínseca poderia provir. Existe também um homem que
ouve durante algum tempo, mas como não se manifesta verbalmente, não é possível
aferir a sua percepção da situação. Mas claramente, foi diferente. Não usou estereótipos e permitiu-se ser
surpreendido por informação nova. Não valerá esta permissão a pena, mesmo que
de vez em quando?
Tiago
A. G. Fonseca
Hamilton, D.L., & Trolier, T.K. (1986).
Stereotypes and stereotyping: An overview of the cognitive approach. In J.
Dovidio & S. Gaertner (Eds.), Prejudice,
discrimination, and racism (pp. 127-163). Orlando, FL: Academic Press.
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