Muitas vezes
deparamo-nos com jovens em dificuldades e, a acrescentar, com famílias,
especialmente mães, que se sentem tremendamente culpabilizamos por isso.
A culpabilidade sentida
e verbalizada pelas mães é ela própria contextual e como tal de natureza ecológica.
As mães são desde os primórdios as figuras principais e aceites socialmente
como as figuras que mais investem na protecção, educação e cuidado da
descendência, ficando por isso também numa posição de maior responsabilidade
pelas dificuldades que podem eventualmente ocorrer, ao longo do desenvolvimento
dos filhos. Esta culpabilidade tornou-se mais relevante, e alvo de estudo, com
as alterações culturais e sociais que levaram à integração da mulher no mercado
de trabalho e à progressiva maior igualdade de sexos, a partir da qual as mães
passaram a ter menos tempo dedicado à educação da sua descendência. Estas
alterações são reportadas por muitas mulheres, como um elemento de perturbação
pois frequentemente se sentem "divididas" entre responsabilidades e
em "falta" para com a família.
Na adolescência, em que
a rapidez e a complexidade das mudanças protagonizadas pelos filhos, se torna
mais difícil de acompanhar e compreender, a emergência de pertubações nos
jovens activa intensamente este sentimento de impotência e culpabilidade
relativamente à falência da saúde mental destes, com uma associação clara entre
estas dificuldades e as ausências, ou erros, que as mães nestas circunstâncias
identificam em si mesmas (com ou até mesmo sem fundamento).
Esta é uma etapa de
profundas transformações individuais, em vários vectores – cognitivo, físico,
moral – e sociais, sobretudo no que respeita à relação com os pais e os pares.
Nesta fase, os jovens têm como grande desafio, o desenvolvimento da sua
autonomia e a construção de uma identidade estável, que contribua para a
entrada na idade adulta de modo saudável e adaptado. Não podemos entender as
problemáticas dos adolescentes (e, por vezes, das próprias famílias a lidar com
estas transformações), sem ter em consideração as características gerais desta
fase de vida.
Numa
perspectiva ecológica, consideramos que as dificuldades ou
problemas psicológicos não são exclusivamente individuais. Eles acontecem num
contexto que inclui desde as características do indivíduo até às relações
estabelecidas com outros sistemas proximais – a família, os pares, a escola –
ou com sistemas mais distais – as normas sociais, os valores culturais e
morais, etc. Assim, estes comportamentos de risco ou manifestações de
dificuldade, não têm uma causa, ou um culpado, eles são o resultado de diversas
variáveis que, em conjunto, concorrem para a perturbação. A educação é muito
importante, o contexto em que se vive é muito importante, as características de
personalidade são muito importantes. Mas, o mais importante é a forma como
estas variáveis interagem no indivíduo e, também muito importante, num
determinado momento do desenvolvimento.
Aqui, já estamos a
considerar a perspectiva de
desenvolvimento, que é em si mesma, ecológica. Nesta perspectiva, os
comportamentos de risco ou psicopatologia, não são apenas considerados no seu
contexto, eles são também analisados tem em conta a etapa do ciclo vital
(individual e familiar) em que o paciente se encontra. Cada etapa de
desenvolvimento sugere e impõe desafios diferenciais, transformações
específicas e até alterações nas relações estabelecidas com os sistemas de
interacção (como por exemplo, os já referidos: família, pares, escola). Se ter
em consideração a etapa de desenvolvimento em que o paciente se encontra, é determinante,
este aspecto é ainda mais crucial quando estamos a intervir com adolescentes (e
suas famílias), pelas especificidades já referidas.
Alguns comportamentos
de risco são, por exemplo, o abuso de álcool ou substâncias psicoactivas, já referidos,
ou em jovens que revelam padrões comportamentais marcados por agressividade,
revolta e incumprimento de regras e normais sociais. Nestes casos, como em
outros que encontramos, julgo que o essencial é desmistificar esta questão da
culpabilidade familiar. Obviamente o pai também sente culpa. Apenas sente-a de
outra maneira, pelas diferenças sociais e culturais associadas ao papel da mãe
e do pai, já brevemente mencionadas e sobejamente conhecidas.
O terapeuta deve ajudar
a compreender as origens do sentimento de culpa, dando acesso a reflexões sobre
o papel parental, as pressões sociais e familiares, as expectativas acerca dos
filhos, que concorrem para este sentimento intenso e negativo. Por outro lado,
e este aspecto tem-me parecido essencial quer em terapias familiares, quer em
terapias individuais, importa sobretudo ajudar a reconhecer que encontrar
culpados não só não faz sentido - pois existe uma multicausalidade e não uma
causa linear - como não tem qualquer utilidade para a resolução do prolema, a
recuperação da dificuldade ou o tratamento do distúrbio.
Ao enfatizar as
competências e o papel positivo e activo da família na vida destes jovens,
estamos não apenas a torná-la importante para a solução, em detrimento do seu
papel no problema. Para os pais, perceberem e sentirem que fazem parte do
tratamento dos seus filhos, que podem ajudá-lo de várias formas e contribuir
para a sua recuperação, reforça a sua auto-imagem de figuras parentais
cuidadoras, protectoras da sua descendência, tão importante para a auto-estima
e bem-estar das mães e também dos pais. Mais ainda, "trazer" a
família para a busca da solução pode contribuir para um reforço positivo das relações
pais-filhos e devolver aos primeiros a capacidade de exercerem a parentalidade
com afecto mas também com regras e autoridade, algo que nestes casos,
frequentemente já não estava a acontecer, ou estava a decorrer de uma forma
pouco eficaz para a educação e desenvolvimento dos jovens.
Diana
Cruz