quinta-feira, 28 de novembro de 2013

[Psi-clínica: Diálogos Soltos]: Filhos e seus Pais


Muitas vezes deparamo-nos com jovens em dificuldades e, a acrescentar, com famílias, especialmente mães, que se sentem tremendamente culpabilizamos por isso.
A culpabilidade sentida e verbalizada pelas mães é ela própria contextual e como tal de natureza ecológica. As mães são desde os primórdios as figuras principais e aceites socialmente como as figuras que mais investem na protecção, educação e cuidado da descendência, ficando por isso também numa posição de maior responsabilidade pelas dificuldades que podem eventualmente ocorrer, ao longo do desenvolvimento dos filhos. Esta culpabilidade tornou-se mais relevante, e alvo de estudo, com as alterações culturais e sociais que levaram à integração da mulher no mercado de trabalho e à progressiva maior igualdade de sexos, a partir da qual as mães passaram a ter menos tempo dedicado à educação da sua descendência. Estas alterações são reportadas por muitas mulheres, como um elemento de perturbação pois frequentemente se sentem "divididas" entre responsabilidades e em "falta" para com a família.
Na adolescência, em que a rapidez e a complexidade das mudanças protagonizadas pelos filhos, se torna mais difícil de acompanhar e compreender, a emergência de pertubações nos jovens activa intensamente este sentimento de impotência e culpabilidade relativamente à falência da saúde mental destes, com uma associação clara entre estas dificuldades e as ausências, ou erros, que as mães nestas circunstâncias identificam em si mesmas (com ou até mesmo sem fundamento).
Esta é uma etapa de profundas transformações individuais, em vários vectores – cognitivo, físico, moral – e sociais, sobretudo no que respeita à relação com os pais e os pares. Nesta fase, os jovens têm como grande desafio, o desenvolvimento da sua autonomia e a construção de uma identidade estável, que contribua para a entrada na idade adulta de modo saudável e adaptado. Não podemos entender as problemáticas dos adolescentes (e, por vezes, das próprias famílias a lidar com estas transformações), sem ter em consideração as características gerais desta fase de vida.

Numa perspectiva ecológica, consideramos que as dificuldades ou problemas psicológicos não são exclusivamente individuais. Eles acontecem num contexto que inclui desde as características do indivíduo até às relações estabelecidas com outros sistemas proximais – a família, os pares, a escola – ou com sistemas mais distais – as normas sociais, os valores culturais e morais, etc. Assim, estes comportamentos de risco ou manifestações de dificuldade, não têm uma causa, ou um culpado, eles são o resultado de diversas variáveis que, em conjunto, concorrem para a perturbação. A educação é muito importante, o contexto em que se vive é muito importante, as características de personalidade são muito importantes. Mas, o mais importante é a forma como estas variáveis interagem no indivíduo e, também muito importante, num determinado momento do desenvolvimento.
Aqui, já estamos a considerar a perspectiva de desenvolvimento, que é em si mesma, ecológica. Nesta perspectiva, os comportamentos de risco ou psicopatologia, não são apenas considerados no seu contexto, eles são também analisados tem em conta a etapa do ciclo vital (individual e familiar) em que o paciente se encontra. Cada etapa de desenvolvimento sugere e impõe desafios diferenciais, transformações específicas e até alterações nas relações estabelecidas com os sistemas de interacção (como por exemplo, os já referidos: família, pares, escola). Se ter em consideração a etapa de desenvolvimento em que o paciente se encontra, é determinante, este aspecto é ainda mais crucial quando estamos a intervir com adolescentes (e suas famílias), pelas especificidades já referidas.
Alguns comportamentos de risco são, por exemplo, o abuso de álcool ou substâncias psicoactivas, já referidos, ou em jovens que revelam padrões comportamentais marcados por agressividade, revolta e incumprimento de regras e normais sociais. Nestes casos, como em outros que encontramos, julgo que o essencial é desmistificar esta questão da culpabilidade familiar. Obviamente o pai também sente culpa. Apenas sente-a de outra maneira, pelas diferenças sociais e culturais associadas ao papel da mãe e do pai, já brevemente mencionadas e sobejamente conhecidas.
O terapeuta deve ajudar a compreender as origens do sentimento de culpa, dando acesso a reflexões sobre o papel parental, as pressões sociais e familiares, as expectativas acerca dos filhos, que concorrem para este sentimento intenso e negativo. Por outro lado, e este aspecto tem-me parecido essencial quer em terapias familiares, quer em terapias individuais, importa sobretudo ajudar a reconhecer que encontrar culpados não só não faz sentido - pois existe uma multicausalidade e não uma causa linear - como não tem qualquer utilidade para a resolução do prolema, a recuperação da dificuldade ou o tratamento do distúrbio.
Ao enfatizar as competências e o papel positivo e activo da família na vida destes jovens, estamos não apenas a torná-la importante para a solução, em detrimento do seu papel no problema. Para os pais, perceberem e sentirem que fazem parte do tratamento dos seus filhos, que podem ajudá-lo de várias formas e contribuir para a sua recuperação, reforça a sua auto-imagem de figuras parentais cuidadoras, protectoras da sua descendência, tão importante para a auto-estima e bem-estar das mães e também dos pais. Mais ainda, "trazer" a família para a busca da solução pode contribuir para um reforço positivo das relações pais-filhos e devolver aos primeiros a capacidade de exercerem a parentalidade com afecto mas também com regras e autoridade, algo que nestes casos, frequentemente já não estava a acontecer, ou estava a decorrer de uma forma pouco eficaz para a educação e desenvolvimento dos jovens.

            Diana Cruz

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