quarta-feira, 20 de novembro de 2013

[PREVENIcaNDO]: Um Outro Eu


Retomar a escrita depois de tanto tempo passado, é como reencontrar o sentido de uma frase deixada em suspenso… Por vezes as interrupções quebram a ligação entre os membros de um grupo. Porque é que eu estou aqui? O que é que me apetece dizer de novo? Este é um drama frequente no início de uma sessão de grupo quando se pede ao participante para se ligar aos outros. Dê de si, mas use o seu direito a proteger o que quer manter privado. Apresente-se sem se revelar, ou revele-se sem se apresentar
Como se faz isto? Simples… crie um outro eu… Esta dinâmica de apresentação requer que cada participante, através de uma mentira se apresente ao grupo e dê uma justificação para se encontrar naquele lugar àquela hora. “Estou perdido e segui o pessoal que vinha para esta reunião”. “Sou um holograma e de facto não estou ali”. “Estou aqui porque não tinha outro sítio para estar”. “Sou um extraterrestre e venho aqui tomar notas sobre os terráqueos”…  A dinâmica solta o riso e revela a criatividade de cada um, dá indícios sobre a motivação e diz um pouco sobre os níveis de defesa com que se encara os outros que ali o rodeiam. O outro eu é uma construção colorida, é uma funcionalidade cumprida ou apenas o negativo do que se é.
Pelo caminho o dinamizador pode ensaiar pequenos diálogos testando a consistência da criação, alargando o falso eu em terrenos adjacentes à motivação para estar ali. De onde veio? Onde vive? O que faz? Quais os interesses? Os sonhos? Os segredos?
O eu assim criado pode ir para além da simples tarefa de apresentação e desenvolver-se numa construção progressiva de enredos que partem dos eus de cada um e os conduz a encontros impensáveis em contextos definidos pelo dinamizador. “Eu sou o Tarzan e acabei de regressar da selva”. “Eu sou um Deus que desceu do Olimpo”. Encontraram-se num elevador que ficou preso entre dois andares. De que falam? Como interagem? Os enredos podem ser previamente seleccionados pelo dinamizador e tirados à sorte por cada par. A dinâmica pode-desmultiplicar-se por diferentes sessões funcionando como um aquecimento em continuidade. Novos emparelhamentos permitem a continuidade da construção do novo eu testando a sua coerência e dos encontros entre pares pode passar-se a convívios mais alargados onde cada personagem pode apresentar aos outros personagens que conheceu antes e trocarem pequenas histórias caricatas de encontros prévios…
A partir da oportunidade para se defender não dizendo nada de si, diz-se tanto através do que não se diz.
Afinal qual é mesmo a razão que o/a trouxe até este texto?

Raúl Melo

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