Retomar
a escrita depois de tanto tempo passado, é como reencontrar o sentido de uma
frase deixada em suspenso… Por vezes as interrupções quebram a ligação entre os
membros de um grupo. Porque é que eu estou aqui? O que é que me apetece dizer
de novo? Este é um drama frequente no início de uma sessão de grupo quando se
pede ao participante para se ligar aos outros. Dê de si, mas use o seu direito
a proteger o que quer manter privado. Apresente-se sem se revelar, ou revele-se
sem se apresentar…
Como se faz isto? Simples… crie um outro eu… Esta dinâmica
de apresentação requer que cada participante, através de uma mentira se
apresente ao grupo e dê uma justificação para se encontrar naquele lugar àquela
hora. “Estou perdido e segui o pessoal que vinha para esta reunião”. “Sou um
holograma e de facto não estou ali”. “Estou aqui porque não tinha outro sítio
para estar”. “Sou um extraterrestre e venho aqui tomar notas sobre os
terráqueos”… A dinâmica solta o riso e
revela a criatividade de cada um, dá indícios sobre a motivação e diz um pouco
sobre os níveis de defesa com que se encara os outros que ali o rodeiam. O
outro eu é uma construção colorida, é uma funcionalidade cumprida ou apenas o
negativo do que se é.
Pelo
caminho o dinamizador pode ensaiar pequenos diálogos testando a consistência da
criação, alargando o falso eu em terrenos adjacentes à motivação para estar
ali. De onde veio? Onde vive? O que faz? Quais os interesses? Os sonhos? Os
segredos?
O
eu assim criado pode ir para além da simples tarefa de apresentação e
desenvolver-se numa construção progressiva de enredos que partem dos eus de
cada um e os conduz a encontros impensáveis em contextos definidos pelo
dinamizador. “Eu sou o Tarzan e acabei de regressar da selva”. “Eu sou um Deus
que desceu do Olimpo”. Encontraram-se num elevador que ficou preso entre dois
andares. De que falam? Como interagem? Os enredos podem ser previamente
seleccionados pelo dinamizador e tirados à sorte por cada par. A dinâmica
pode-desmultiplicar-se por diferentes sessões funcionando como um aquecimento
em continuidade. Novos emparelhamentos permitem a continuidade da construção do
novo eu testando a sua coerência e dos encontros entre pares pode passar-se a
convívios mais alargados onde cada personagem pode apresentar aos outros
personagens que conheceu antes e trocarem pequenas histórias caricatas de
encontros prévios…
A
partir da oportunidade para se defender não dizendo nada de si, diz-se tanto
através do que não se diz.
Afinal
qual é mesmo a razão que o/a trouxe até este texto?
Raúl
Melo
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