Vimos, há uns dias, que
não é o próprio tempo que nos atrai,
mas sim os processos temporais,
aquilo que ocorre no tempo.
Porquê?
Porque os psicólogos do
desenvolvimento procuram essencialmente descrever como a conduta humana muda no tempo, e não com o tempo, ou seja, como
a experiência de relação consigo, com os outros e com o mundo físico se vai
sucessivamente transformando, organizando e reorganizando ao longo do ciclo de
vida de cada um de nós.
Lembram-se do nosso
comboio? Sempre que passava, percorria o mesmo percurso, sensivelmente à mesma
velocidade e um qualquer gravador, fixo num mesmo local, registaria certamente
a mesma sequência de sons que invadiam o espaço e que ocupavam, sensivelmente, o
mesmo intervalo, a mesma duração, no tempo. Mas, não eram, de facto, esses
intervalos de tempo que moviam o comboio ou que faziam mudar a intensidade dos
sons que a máquina registava. A passagem regular daquele comboio, por aquele
local no espaço, até parecia acontecer com o tempo, pois podíamos prever a hora
em que iria passar e a duração do som que nos iria deixar. Mas nunca era, de
facto, essa hora ou essa duração do tempo que fazia o comboio seguir aquele
percurso, com aquela velocidade e deixar aqueles sons que a máquina guardava.
Para os psicólogos do
desenvolvimento, o tempo biológico, os processos temporais que marcam a
maturação e a degenerescência do organismo que somos são determinantes, pois
induzem mudanças comportamentais inquestionáveis. Desde sempre se reconhece
o efeito das mudanças biológicas e, actualmente, investigam-se, cada vez mais,
as relações entre os componentes psicológicos e neurológicos da conduta humana.
Porém, apesar do aceso debate
actual sobre a independência e identidade da nossa disciplina, acredito que a
Psicologia continua a fazer sentido e que ainda podemos argumentar, com Piaget,
Vygotski e muitos outros psicólogos do desenvolvimento, que o tempo de vida, a idade de cada um de nós não
constitui o único motor, senão mesmo o principal factor, de mudança comportamental.
Pensem, por exemplo,
nas crianças e adolescentes que vivem, hoje, nas sociedades social e
culturalmente mais evoluídas. Os cuidados pré-natais e neonatais, o
acompanhamento médico regular, a qualidade da nutrição e o exercício físico a
que são submetidas têm promovido uma maioria de crianças e jovens saudáveis, do
ponto de vista orgânico, fisiológico. Permanecem, porém, acentuadas diferenças
individuais no seu desenvolvimento psicológico, cognitivo, sócio-cognitivo,
emocional ou social-relacional.
Pensem, por exemplo, na
actual campanha em favor do envelhecimento activo. Nesta faixa etária, o risco
de doenças do foro neurológico é particularmente acentuado e, para o prevenir,
muitos especialistas reconhecem, cada vez mais, o efeito positivo da conjugação
do exercício físico e da nutrição saudável com a actividade intelectual ou
artística, a socialização ou, mesmo, com a intervenção psicológica.
Para os psicólogos do
desenvolvimento, o tempo biológico é inquestionável. Mas, este não é, em rigor,
o nosso objecto de investigação, de avaliação e de intervenção.
O tempo que interessa
os psicólogos do desenvolvimento é o que poderemos designar o tempo
psicológico, ou seja, os processos temporais que marcam a sucessão de
mudanças de comportamento, de natureza qualitativa, estrutural e funcional, relativamente
estáveis e duráveis no ciclo de vida das pessoas. Dito de outro modo, os investigadores do desenvolvimento
psicológico procuram captar, descrever, compreender e prever o processo de evolução e de involução da
experiência e/ou da conduta humana, processo este que ocorre no tempo e não
necessariamente com o tempo, pois não é apenas um resultado passivo da idade,
do tempo de vida do organismo que somos.
Mas, daqui a uns dias, continuamos
a reflectir um pouco mais sobre o tempo que atrai os psicólogos do
desenvolvimento.
M. Stella Aguiar
Referências:
Castro Caldas, A.
(2013). Uma Visita Politicamente
Incorreta ao Cérebro Humano. Lisboa:
Bertrand.
Smith, L. B. & Thelen, E. (2003). Development as a dynamic system. TRENDS in Cognitive Sciences, 7 (8), 343-348.
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