quarta-feira, 23 de outubro de 2013

[Coisas da Percepção]: Como entendo a Percepção



Depois de nos últimos 12 meses ter realizado várias publicações sobre Percepção, crio assim uma rubrica mais dinâmica, não mensal, sobre as Coisas da Percepção.
O que tenho demonstrado ao longo de várias publicações é a variação da percepção, entre indivíduos, em diversos contextos, variante com crenças e motivações.
Entendo a Percepção como a base primária do nosso comportamento. Porquê? A Percepção é a resposta psicológica aos estímulos do meio, que foram a nossa base cognitiva, que originam as emoções que levarão, mais à frente, aos nossos comportamentos. Estes serão assim respostas, baseadas em esquemas e crenças, aprendizagens e experiências anteriores, que serão consequência directa da nossa percepção.
As suas variações, adaptativa ou não, com ou sem desvios, faz do que realizamos a base do que, na essência, somos.

Tiago A. G. Fonseca

sábado, 20 de julho de 2013

[Mudança]: Do know how ao kick-off


Do know how ao kick-off
Quantos estrangeirismos são necessários numa empresa?

"Today is the same as everyday, but yesterday is not today" Noiserv

Breve introdução: sou um dos parafusos de uma estrutura que gere equipas numa guerrilha de motivações. A empresa chama-se Connecta Group, um Contact Center no centro de Lisboa onde, no espectro organizacional, traça orgulho no seu capital humano. Miséria, sempre a minha, que escrevo sobre pedaços reais de horas e de pessoas: não experimentei de forma diferente, nas palavras sobre a organização com a qual partilho quase dois anos.
Comecemos: esperamos numa empresa a veemência das pessoas ao pensar, ao dizer e ao fazer, sendo o último movimento da trilogia o desafio latejante. Em critérios organizacionais e no dicionário dos stakeholders, do target, dos skills, dos briefings, do outplacement, do networking e do empowerment, sentimo-nos ás de espadas do itálico. Tudo se prevê obediente aos paradigmas.
Na empresa onde trabalho vivo com poucos estrangeirismo e muitos "actualogismos" da prática, que ainda se chamam aprendizagem, suporte, pragmatismo, método, curiosidade e por aí na viagem, nas estações que já nem sempre são tendências de livros ou artigos.
Por quantas estações passamos numa organização? Que palavras temos de usar para fazer acontecer? E assim, terminam as pontuações das histórias dos heróis nas empresas e começamos a falar de Profissionais de Mudança, onde o trabalho não se conclui, nem se pode concluir. Onde o trabalho temporário ganha tempo e pode ficar.
Primeiro choque: as ideias, as motivações. As pessoas, as pessoas que já não são românticas laborais, as que já não depositam motivação no trabalho - em qualquer trabalho -, nas funções humanas de elaboração, nas razões para o fazer.
Segundo choque: começar; não agir motivado no trabalho - em qualquer trabalho - . Gerir pessoas em equipas significa ser, também, arqueólogo de realidades.
Choques adversos: antes de gerir, fazer querer estar. Falo na motivação, falo nos hábitos, falo na mudança. Como se antes do sumo, fosse plantado o fruto. Então gerir pessoas em equipas significa ser, também, agricultor de pensamentos.
Choques colaterais: nas empresas tem que acontecer e as palavras perdem a força em milésimas de ócio. Então gerir pessoas em equipas significa ser, também, escultor de acções.
E expirando tanta manufactura, descobri que uma empresa colecciona histórias, métodos criativos contra o relógio e sinergias que convergem, depois de algumas colisões.
Na empresa onde eu trabalho vivem poucos estrangeirismos; não há receitas;  não há bibliografia só lida valha quando, ao fim e ao cabo, trabalhamos tão somente para pessoas. E por isso, a mudança nem começa, nem acaba: passa por nós e nós também por ela.
Não vos entrego conclusão.

Ana Rita Caldeira

terça-feira, 16 de julho de 2013

A Sociedade e a Crítica


            Disse Aristóteles que “there is only one way to avoid criticism: do nothing, say nothing, and be nothing”.
            Chamo a atenção para o facto de o autor ter vivido entre os anos 384 e 322 a.c.
            Há mais de 2300 anos, esta era já uma preocupação da comunidade: como evitar ser criticado? Como agir sem o ser?
            Eu questiono o contrário. É suposto não sermos? Não haverá sempre quem discorde? Peremptoriamente, sim. E só assim faz sentido. Só assim podemos evoluir e criar, pois a crítica serve de avaliação, de julgamento. É o modo como os outros, os que vêm de fora, manifestam a sua opinião sobre o “do”, o “say” e o “be”.

            Mas desta mesma forma, e também peremptoriamente, digo que é preciso perceber as motivações desse criticismo. Pessoais ou colectivas? Verdadeiras ou falsas? Com que objectivos?
            Mais do que criticar, é preciso saber quando o fazer. É preciso saber o porquê de o fazer e não se enganar o próprio em “crítica pela crítica”, sem forma ou conteúdo, defendendo o que não se acredita pelo bem próprio e não comum.

            Volto à época de vivência do autor. A sociedade, cada vez mais crítica, não consegue evoluir da crítica à acção, do pensamento ao movimento, do conformismo à motivação. É necessário criticar construtivamente, e para isso, a receita é apenas uma: passar da hétero-crítica para a auto-crítica. É uma evolução, é um trabalho. Como disse numa publicação anterior, “o trabalho mais difícil é o que fazemos em nós próprios”, mas também é o mais duradouro e o que produz mais resultados.

            A crítica é o que faz a sociedade andar. Mas a crítica pela crítica é o que a faz estagnar.

            Tiago A. G. Fonseca

sexta-feira, 12 de julho de 2013

[The Naked Lunch]: Festivais de verão, Consumos e Comportamentos de Risco


Verão rima com calor, praia e festivais de verão!
Para os mais jovens a loucura: acampar, directas, copos, boa companhia e bom som! Para a maioria dos pais: preocupação!
Uma sondagem recente revela “Festivaleiros britânicos preferem consumir álcool e drogas do que ver concertos”.* Segundo esta sondagem “apenas 45 por cento das pessoas admitiram que a música é a razão pela qual vão a um festival.
Todos aqueles que já foram a um festival sabem que há muito mais a acontecer num festival que apenas a música. E se me arriscaria a antecipar que em Portugal a maioria das pessoas diria que vai aos festivais por causa da música, muitos são os outros aspectos que contribuem para aquilo que um festivaleiro chamaria a “qualidade” do festival.
Um tema indissociado dos festivais são os consumos. Sabemos que, apesar de haver excepções, a maioria dos festivaleiros vai beber ou consumir algum tipo de substância. O próprio ecletismo dos festivais actuais – com tendas electro; palcos variados desde reggae, passando pelo jazz até ao metal; e zonas chillout – faz-nos associar, ainda que possa ser uma ideia pre concebida, estes diferentes “contextos” mais a uma ou outra substância.
Assim, mais do que entrar numa lógica de dissuasão, gostava de deixar aqui alguma dicas para que possam ter um consumo “controlado” ou com menor risco.
Penso que um aspecto importante é estar rodeado por pessoas de confiança. Sabemos que nos vamos divertir com os nossos amigos por perto. Se houver algum problema são pessoas a quem podemos recorrer. Tentem intercalar o álcool com água – se por um lado sabe bem uma cerveja fresquinha, esta é um diurético e aumenta a desidratação. Alimentem-se! Não é incomum, quer seja para poupar uns trocos, ou porque levámos o stock de latas de atum da casa dos pais, nos dias de festival as nossas refeições serem mais desregradas, fora de horas e com um baixo valor nutricional. De qualquer forma a sugestão que deixo é se vão beber, comam. Um estômago vazio aguenta pior o álcool. Se o objetivo é divertir-me não vou querer passar a noite maldispost@, não é?
Para aqueles de vocês que estão a pensar “então?! mas eu bebo para me embriagar!”: Cuidado com os comportamentos de risco, como por exemplo o sexo desprotegido, que se tornam mais frequentes quando estamos num estado alterado de consciência.
Nunca é demais referir para terem cuidado com a oferta de bebidas de estranhos. No ambiente de festival é comum conhecermos pessoas novas. Para se poupar uns trocos junta-se numa garrafa de gasosa ou sumo vinho do supermercado e até é normal irmos bebendo todos da mesma garrafa. Não é necessário desenvolver um núcleo paranóide mas pelo menos estar atento.

Não se esqueçam: ter alguns cuidados para poderem curtir os festivais de verão ao máximo! Divirtam-se!
Ana Nunes da Silva

segunda-feira, 8 de julho de 2013

[Psicologia e Política]: Lei da Co-adopção


Deixo-vos hoje, nesta rubrica, o tema mais recente que engloba estas duas vertentes: a Política, na vertente do que a sociedade pensa e age como lei de funcionamento pessoal e interpessoal, e a Psicologia, a relevância da aplicação politica para o próprio nas suas relações pessoais e com os outros.
            A nova lei da co-adopção por casais homossexuais foi bastante badalada. E como poderia não ser? Não se trata - apenas - de bom senso ou ideal. Trata-se da alteração psicológica de uma cultura, numa evolução em determinado sentido, que impele a mudança de percepção para este tema.
            Numa próxima publicação, irei descrever algumas das questões às quais o nosso Exmo. Bastonário da Ordem dos Psicólogos, Prof. Doutor Telmo Baptista, respondeu na sua audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Esta audição visava reflectir, com base nas questões colocadas pelos deputados da Assembleia da República, os factores subjacentes à errada em vigor desta lei, à luz da Psicologia. Segue o vídeo da audição.

           
Saliento a relevância dada, quase na totalidade, à criança, sendo ela o centro das questões, ao contrário do que vimos acontecer nos meios de comunicação.

            Tiago A. G. Fonseca

domingo, 7 de julho de 2013

[PREVENIcaNDO]: No Return


Talvez por estar fora do país, o título saiu em estrangeiro, mas o sentido da mensagem mantém-se em bom português. Sem retorno. Sem retorno de quê? Sem feedback, sem imagem de espelho, sem… existência. Da minha formação clínica aprendi que o que não é dito não existe. Pode ser sentido, pode ser vivido pelo próprio, mas se não é partilhado nunca aconteceu. É o outro que nos valida na sua reacção, que nos baliza com sinais que nos encorajam a continuar ou nos diz que mudemos de rumo. Daí que o contacto visual desempenhe um papel tão importante na comunicação. Por isso a comunicação oral, à distância, recorre às entoações para inferir o que o olhar não pode ver, e a escrita procura na estrutura da frase o que o som não traduz e a imagem não ilustra. Por isso o vazio é tão incómodo quando nada nos orienta para além na nossa confiança, entusiasmo e estupidez natural.
É isso que acontece quando sentamos duas pessoas uma à frente da outra e alteramos as instruções que orientam a sua comunicação. É fácil sobreviver a um pedido de dois minutos de conversa perfeitamente normal face a face. Mas o que é que acontece se as duas pessoas se vêm obrigadas a rodar as suas cadeiras e a conversarem de costas voltas uma para a outra? É tranquilo?  Ou temos tendência para rodar na cadeira e procura ver o outro com quem falamos? É diferente se conhecemos o outro ou se nos é desconhecido? Segue-se um pedido de dois minutos de silêncio, olhos nos olhos com a instrução de não comunicar. O tempo arrasta-se ao longo de segundos intermináveis. Os olhos evitam-se para que a comunicação não aconteça. Por vezes sai um sorriso imediatamente travado pelo dinamizador. “Não comunica! Sorrir é comunicar!” Por fim a experiência termina. “É horrível” “Não sabia o que fazer!”
Então a instrução muda de novo. Um dos elementos do par fala ininterruptamente para o outro que tem como tarefa não reagir, não comunicar, não… nada. De novo o tempo arrasta-se. O falador inventa um tema que despeja para cima do outro que o olha impenetrável. Por vezes usam-se estratégias de provocação, fazendo perguntas de resposta proibida, ou contando uma história hilariante que põe a capacidade de controlo do Ouvidor em causa. Os papeis trocam-se e a cena repete-se. “É muito estranho falar para quem não nos responde”. É terrível não poder reagir. Dava comigo a fazer um esforço desgraçado para não abanar a cabeça, fazer sons ou simplesmente inclinar-me para o outro. Finalmente o desafio máximo. Ambos falam ao mesmo tempo, não um com o outro, mas sobrepostos um ao outro. Durante dois minutos gera-se o caos, com pares alucinados, falando sem dar ouvidos ao outro. Cada pausa no discurso é uma oportunidade para o outro nos distrair. Os jogadores agitam-se, o ritmo do discurso é frenético… ou morre simplesmente perante a impotência do jogador se manter no exercício.
A reflexão invariavelmente anda em torno do desconforto, da impossibilidade de não comunicar, da perda de qualidade relacional perante a falta de feedback do outro. “Senti-me tão sem graça” dizia alguém no decurso da reflexão. “A única forma de conseguir fazer o exercício foi esquecer que estava a falar para o outro e pensar que o estava a fazer para mim, simplesmente para preencher o silêncio, para mostrar que era capaz.”
Talvez esta experiência seja apenas um exercício doloroso que se faz em dinâmicas de grupo. Talvez seja algo que acontece em algumas relações quando a qualidade das mesmas começa a fragilizar. Talvez seja apenas um sentimento mais corriqueiro que se pode sentir quando se escreve para uma rubrica de um blog para gente pensadora que não tem tempo ou disponibilidade mental para deixar um comentário.
No returns.

            Raúl Melo

quinta-feira, 4 de julho de 2013

O Trabalho Mais Difícil...

E porque mudar custa, é doloroso e contraditório aos esquemas em funcionamento, o trabalho mais difícil sempre é o que se realiza em nós próprios.
A psicoterapia dá ferramentas e coopera com o próprio neste trabalho, mas não o faz por ninguém.
Além disso, a mudança mais efectiva é a que o próprio realiza em si, pelo que essa intervenção depende sempre da motivação da pessoa e da colaboração para a qual se mostra disponível.
 

Tiago A. G. Fonseca

segunda-feira, 1 de julho de 2013

NEPC: Os Criminosos são Empáticos?


            Dando início à parceria de publicações com o Núcleo de Estudantes de Psicologia Criminal, do Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, aqui fica o primeiro texto.

A palavra empatia deriva do alemão Einfuhlung, que significa sentir para, ou tentar compreender o outro (Tavares, 2007). A sua conceptualização engloba uma componente emocional (capacidade de experienciar as emoções dos outros) e cognitiva (compreensão dos sentimentos dos outros) (Blake & Gannon, 2008). As respostas empáticas variam de pessoa para pessoa e de situação para situação (Brown, Harkins & Beech, 2012).
Os estudos revelam que a fraca empatia é um importante traço da personalidade que está relacionado com o comportamento agressivo, onde os indivíduos que percecionam/experienciam os sentimentos dos outros, nomeadamente das vítimas, possuem menor probabilidade de vitimizar alguém (Farrington, 2002). Acredita-se que a falta de empatia incentiva não só a agressividade, mas também o comportamento antissocial em geral. (Jolliffe & Farrington, 2004, citados por Roche, Shoss, Pincus & Ménard, 2011). Já pelo contrário, elevado nível de empatia aparenta estar relacionado com um comportamento/interações sociais positivas (Cohen & Strayer, 1996, Zahn-Waxler, Cole, Welsh, & Fox, 1995, citado por Flight & Forth, 2007).
A empatia também tem sido estudada quanto à sua relação, em específico, com os crimes sexuais, onde baixos níveis de empatia estão associados a comportamentos sexualmente desviantes (Chaplin, Rice & Harris, 1995; Rice, Chaplin, Harris & Coutts, 1994, citados por Pithers, 1999). Por exemplo, os ofensores sexuais podem possuir empatia no geral mas falta de empatia perante grupos específicos de vítimas (e.g. abusadores de menores, possuem falta de empatia para com as crianças) ou para com as suas vítimas específicas (Farr et al., 2004; Fernandez & Marshall, 2003; Fernandez, Marshall, Lightbody & O’Sullivan, 1999; Webster & Beech, 2000; Whittaker, Brown, Beckett & Gerhold, 2006, citados por Roche et  al, 2011).
Assim sendo, a falta de empatia é um importante fator, na medida que pode facilitar a ocorrência de um comportamento criminal, sendo este de caracter sexual ou não.

            Hugo Domingues


Referências
Blake, E., & Gannon, T. (2008). Social perception deficits, cognitive distortions, and empathy deficits in sex offenders: a brief review. Trauma, violence & abuse, 9 (1), 34–55. doi:10.1177/1524838007311104
Brown, S., Harkins, L., & Beech, A. R. (2012). General and victim-specific empathy: associations with actuarial risk, treatment outcome, and sexual recidivism. Sexual abuse : a journal of research and treatment, 24 (5), 411–30. doi:10.1177/1079063211423944
Farrington, D. (2002). Developmental criminology and risk-focused prevention Farrington. Oxford University Press.
Flight, J. I., & Forth, a. E. (2007). Instrumentally violent youths: The roles of psychopathic traits, empathy, and attachment. Criminal Justice and Behavior, 34 (6), 739–751. doi:10.1177/0093854807299462
Pithers, W. D. (1999). Empathy: definition, enhancement, and relevance to the treatment of sexual abusers. Journal of Interpersonal Violence, 14 (3), 257–284. doi:10.1177/088626099014003004
Roche, M. J., Shoss, N. E., Pincus, A. L., & Ménard, K. S. (2011). Psychopathy moderates the relationship between time in treatment and levels of empathy in incarcerated male sexual offenders. Sexual abuse : a journal of research and treatment, 23 (2), 171–92. doi:10.1177/1079063211403161
Tavares, J. (2007). Considerações sobre empatia. Revista de psiquiatria, 21 (1). 47-51.

domingo, 30 de junho de 2013

Filmes, Livros e Psicologia: Kitchen Nightmares (2007) Parte 01


            Hoje trago-vos um dos programas de maior sucesso do chef Gordon Ramsey, Kitchen Nightmares.
            Neste programa, Gordon recebe apelos de restaurantes à beira da falência e encerramento, e ajuda-os, através de um processo de mudança intensivo, físico e psicológico, a voltar ao negócio como outrora era. Para isso, são muitos obstáculos a enfrentar, desde falta de motivação, pessoas em negação, violência, má gestão, inaptidão ou incapacidade habilidosa para o efeito, ou mesmo problemas relacionais interpessoais. É sobre este último que hoje falo.
            Mas não quero fazer uma grande análise. Penso que será mais furtuito se cada um procurar um episódio e ver por si.
            Em cada um, é possível desvendar problemas relacionais que muitas vezes são o foco das dificuldades no trabalho, e que impossibilitam o sucesso. Discussões que geram discussões, que reforçam mal entendidos até serem verdades absolutas. Alguns episódios, verdadeiros oásis para terapeutas de base sistémica.
            A retirar daqui a importância das relações interpessoais na nossa vida pessoal e colectiva, que muitas vezes são descuradas, levando a consequências que podem apenas ser notórias em extremo.
            Mostra também a dificuldade de manter relações obrigatórias saudáveis no trabalho, obrigando a um cuidado muito maior do que estas já obrigam. Estamos a falar de restaurantes que na sua maioria são familiares, onde irmãos e esposas, cunhados e sogros, filhos e primos trabalham juntos, partilhando relações obrigatórias familiares com relações profissionais de obrigações hierárquicas. Sensíveis e delicadas, estas relações devem ser cuidadas e tidas como vulneráveis nestes meios. Principalmente, voltando ao restaurante, estando a família toda a trabalhar no mesmo local, este será o seu único sustento.

            Tiago A. G. Fonseca

sexta-feira, 28 de junho de 2013

[Psicriancices]: A Ansiedade em Crianças e Adolescentes


A Maria, de 9 anos, não gosta de dormir sozinha no seu quarto: “Ficas ao pé de mim mãe?”, diz ela. A mãe conta-lhe outra história, dá-lhe um beijinho e sai. Poucos minutos depois, a Maria aparece novamente à porta do quarto da mãe: “Acho que ouvi qualquer coisa no quintal! Tenho medo que alguém entre cá em casa!” Mãe: “Não está ninguém no quintal, não vai acontecer nada”. Maria: “Mas eu vi no telejornal mãe, pode entrar alguém cá em casa!” A Maria nunca se tinha preocupado com as notícias que davam na televisão. Só recentemente é que os seus pais se aperceberam que ela fica muito preocupada quando vê notícias.

Será que a Maria tem uma perturbação de ansiedade?
É possível, mas para termos a certeza precisaríamos de bastante mais informação.
As crianças com ansiedade veem o mundo como um lugar perigoso. Têm medo de se magoar, física ou socialmente e sentem-se ansiosas mesmo quando não existe um perigo real. A forma como as crianças lidam com a sua ansiedade pode torná-la pior. Se continuarem a evitar as coisas que as deixam ansiosas, nunca irão aprender estratégias eficazes para lidar com a ansiedade e esta continuará a aumentar.

O Medo e a Ansiedade
Ao longo da infância e adolescência surgem determinados medos, que são transitórios e normativos e que protegem a criança face a estímulos que são incompreendidos e incontroláveis para ela. Na sua maioria, os medos aparecem numa determinada fase de desenvolvimento de forma a facilitar a resolução de determinadas tarefas. São, por isso, adaptativos e tendem a desaparecer ou a diminuir quando deixam de o ser. As crianças em idade pré-escolar têm normalmente medo de coisas imaginárias (por exemplo, monstros escondidos debaixo da cama), enquanto que em idade escolar receiam sobretudo coisas reais que podem acontecer (por exemplo, serem assaltadas). Mais tarde, os medos têm tipicamente a ver com o possível fracasso escolar ou social.

Em algumas situações, os medos persistem depois de terem comprido a sua função adaptativa e interferem significativamente nas rotinas diárias da criança, podendo tornar-se patológicos.

As perturbações de ansiedade são consideradas uma das perturbações psiquiátricas mais prevalentes em crianças e adolescentes. Costello e colaboradores (2003), num estudo epidemiológico, verificaram que aproximadamente 10% das crianças sofrem de um problema de ansiedade clinicamente significativo antes dos 16 anos de idade.

Tem sido demonstrado que as perturbações de ansiedade interferem de forma significativa no funcionamento adaptativo da criança em diferentes domínios, como o escolar, o familiar e o das interações interpessoais. A presença destas perturbações na infância coloca em risco as aprendizagens escolares, as interações sociais e dificulta a resolução de tarefas de desenvolvimento, como por exemplo, a independência financeira, a separação da família de origem e a obtenção de um emprego. São ainda consideradas um fator de risco para o desenvolvimento posterior de outras perturbações de ansiedade, depressão e abuso de substâncias.

Sabia que?
Apesar da sua elevada prevalência, frequentemente as perturbações de ansiedade não são detetadas nem são alvo de intervenção. No estudo de Lyneham e Rapee (2007), os autores verificaram que apenas 32% das crianças identificadas como tendo uma perturbação de ansiedade já haviam recorrido a ajuda profissional. Segundo os autores, os sintomas de ansiedade podem ser vistos pelos pais como um traço de personalidade da criança que, por sua vez, não é modificável. Segundo os resultados do estudo, 81% das mães reconheceram problemas de externalização nos seus filhos, mas apenas 54% reconheceram sintomatologia de ansiedade. As crianças com ansiedade são normalmente calmas e obedientes e isto pode fazer com que os seus problemas passem despercebidos, por serem menos visíveis e menos perturbadores para os outros.


 SINAIS DE ALERTA

As crianças com uma perturbação de ansiedade podem:
O que os outros podem notar:
• Pedir tranquilizações frequentemente
• Dependem demasiado do adulto
• Pedem de ajuda em relação a coisas que já conseguem fazer sozinhos
• Evitar situações que as preocupam ou as deixam assustadas
• Não querem preparar-se para ir para a escola
• Não querem dormir sozinhos no seu quarto
• Tentar que sejam os outros a fazer as coisas que os deixam preocupados/com medo
• Perguntam frequentemente: “Podes ir lá tu?”
• Perguntam frequentemente: “Diz tu por mim?”; “Pede tu?”
• Apresentar queixas somáticas
• Queixam-se frequentemente de dores de cabeça ou de barriga, vómitos, náuseas, dores musculares
• Evitar situações novas e correr riscos
• Preocupam-se em fazer as coisas sempre bem
• Preferem ficar a ver do que participar
• Apresentar muitos medos
• Têm medo do escuro, de testes, de injeções, de cães, de germes e de ficar sozinho…
• Frustrar-se facilmente
• Choram facilmente
• Queixam-se frequentemente que gozam com eles
• Apresentar muitas preocupações
• Veem sempre um lado perigoso em tudo

Teresa Marques
Vanessa Russo

Bibliografia:
Albano, A. M., Chorpita, B. F., & Barlow, D. H. (2003). Childhood anxiety disorders. In E. J. Barkley, & R. A. Mash, Child Psychopathology (2 ed., pp. 279-329). New York: The Guilford Press.
Baptista, A., Carvalho, M., & Lory, F. (2005). O medo, a ansiedade e as suas perturbações. Psicologia, 19(1/2), 267-277.
Costello, E. J., Mustillo, S., Erkanli, A., Keeler, G., & Angold, A. (2003). Prevalence and Development of Psychiatric Disorders in Childhood and Adolescence. Archives of General Psychiatry, 60, 837-844.
Craske, M. (1997). Panic and anxiety in children and adolescent. Supplement to the Bulletin of the Menninger Clinic, 61, A4-A36.
Essau, C. A., Conrad, J., Petermanna, F., & Phil. (2000). Frequency, Comorbidity, and Psychosocial Impairment of Anxiety Disorders in German Adolescents. Journal of Anxiety Disorders, 14, 263-279.
Muris, P., Mayer, B., Bartelds, E., Tierny, S., & Bogie, N. (2001). The revised version of the Screen for Child Anxiety Related Emotional Disorders (SCARED-R): treatment sensitivity in an early intervention trial for childhood anxiety disorders. British Journal of Clinical Psychology, 40, 323-336.
Rapee, R. M., Schniering, C. A., & Hudson, J. L. (2009). Anxiety disorders during childhood and adolescence: Origins and treatment. Annual Review of Clinical Psychology, 5, 311-341.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

[Mudança]: "No meu livro, escrevemos nós"

"No meu livro, escrevemos nós"
A Psicologia co-construída

Aos homens que pensam deter as ciências, queiram permitir que elas voem pelo Mundo: a primeira aprendizagem acontece na partilha da observação e demora muitas pessoas.
É para todos, a Psicologia. Para os que a estudam, para os que a aplicam, para os que a lêem; para os que a esperam, para os que a descobrem, para os que a defendem. Sem a barreira da pontuação, a Psicologia é para todos. Apontemos as luzes para os que a pensam.
A primeira decepção: não há um mecanismo cognitivo e comportamental que a permita eficiente; não há um paradigma infalível; não há uma lista de regras semânticas. A Psicologia desilude: não é uma, não é sozinha, não é logo. É recriada, em todas as sessões. Neste pulsar, com o cliente, o processo nunca se replica: a Psicologia, quando é Psicologia, é uma orientação co-construída, de vida efémera. De sessão para sessão, a ingenuidade migra, por se descobrir um processo também escolhido, mais escolhido, pelo cliente; um ramo, que rega outro, até a árvore querer crescer. Uma palavra de apreço a todos os manuais galácticos que idolatramos, aos anos de anfiteatro. Afinal, são eles a nossa licença para aprender.
Numa prevaricação da escrita objectiva, falo de mim. Leio Rogers: fascínio pelos olhos que vêem a Pessoa. Antes-Depois, cachos de técnicas que nos tornam poderosos Profissionais do Humanismo. Para quem lê apenas: o rigor ainda sem teor. Uma vez (talvez ficasse lírico dizer que foi há muitas experiências, mas foi na imaturidade de dois anos) planeei uma sessão orientada para a história de vida de um cliente. Começou a linha. A caneta pousou. Percebi que não era preciso a linha, naquele dia. Não era esse o pedido. A linha ser-me-ia dada pelos segmentos e a cronologia não pedia urgência. Fui espaço, templo de validações, folha partilhada. Neste dia aceitei, finalmente, o movimento simples de saber que a Psicologia é uma relação e que nesta, há uma receita de palavras desordenadas: o cliente escolhe a primeira e nós orientamos a procura do sentido das seguintes.
Depois, nova ideia interrogativa, que tocou no ombro da anterior: que método tinha, que linha de pensamento seguia, o que me orientava. Sem perder o locus em mim, não temi aceitar que a resposta é também detida por cada Pessoa na qual me centro. A que conheço e a que virei a conhecer, em páginas terapêuticas co-construídas, histórias de tricot que sem começo, sem fim, param temporariamente onde conseguem aquecer. 
E a Psicologia - passo a cédula -, ainda é o espaço de relação onde um Homem consegue orientar Outro para o poder que tem no livro que escrevemos.

Ana Rita Caldeira