Talvez
por estar fora do país, o título saiu em estrangeiro, mas o sentido da mensagem
mantém-se em bom português. Sem retorno. Sem retorno de quê? Sem feedback, sem
imagem de espelho, sem… existência. Da minha formação clínica aprendi que o que
não é dito não existe. Pode ser sentido, pode ser vivido pelo próprio, mas se
não é partilhado nunca aconteceu. É o outro que nos valida na sua reacção, que
nos baliza com sinais que nos encorajam a continuar ou nos diz que mudemos de
rumo. Daí que o contacto visual desempenhe um papel tão importante na
comunicação. Por isso a comunicação oral, à distância, recorre às entoações
para inferir o que o olhar não pode ver, e a escrita procura na estrutura da
frase o que o som não traduz e a imagem não ilustra. Por isso o vazio é tão
incómodo quando nada nos orienta para além na nossa confiança, entusiasmo e
estupidez natural.
É
isso que acontece quando sentamos duas pessoas uma à frente da outra e
alteramos as instruções que orientam a sua comunicação. É fácil sobreviver a um
pedido de dois minutos de conversa perfeitamente normal face a face. Mas o que
é que acontece se as duas pessoas se vêm obrigadas a rodar as suas cadeiras e
a conversarem de costas voltas uma para a outra? É tranquilo? Ou temos tendência para rodar na cadeira e
procura ver o outro com quem falamos? É diferente se conhecemos o outro ou se
nos é desconhecido? Segue-se um pedido de dois minutos de silêncio, olhos nos
olhos com a instrução de não comunicar. O tempo arrasta-se ao longo de segundos
intermináveis. Os olhos evitam-se para que a comunicação não aconteça. Por
vezes sai um sorriso imediatamente travado pelo dinamizador. “Não comunica!
Sorrir é comunicar!” Por fim a experiência termina. “É horrível” “Não sabia o
que fazer!”
Então
a instrução muda de novo. Um dos elementos do par fala ininterruptamente para o
outro que tem como tarefa não reagir, não comunicar, não… nada. De novo o tempo
arrasta-se. O falador inventa um tema que despeja para cima do outro que o olha
impenetrável. Por vezes usam-se estratégias de provocação, fazendo perguntas de
resposta proibida, ou contando uma história hilariante que põe a capacidade de
controlo do Ouvidor em causa. Os
papeis trocam-se e a cena repete-se. “É muito estranho falar para quem não nos
responde”. É terrível não poder reagir. Dava comigo a fazer um esforço
desgraçado para não abanar a cabeça, fazer sons ou simplesmente inclinar-me
para o outro. Finalmente o desafio máximo. Ambos falam ao mesmo tempo, não um
com o outro, mas sobrepostos um ao outro. Durante dois minutos gera-se o caos,
com pares alucinados, falando sem dar ouvidos ao outro. Cada pausa no discurso
é uma oportunidade para o outro nos distrair. Os jogadores agitam-se, o ritmo
do discurso é frenético… ou morre simplesmente perante a impotência do jogador
se manter no exercício.
A
reflexão invariavelmente anda em torno do desconforto, da impossibilidade de
não comunicar, da perda de qualidade relacional perante a falta de feedback do
outro. “Senti-me tão sem graça” dizia alguém no decurso da reflexão. “A única
forma de conseguir fazer o exercício foi esquecer que estava a falar para o
outro e pensar que o estava a fazer para mim, simplesmente para preencher o
silêncio, para mostrar que era capaz.”
Talvez
esta experiência seja apenas um exercício doloroso que se faz em dinâmicas de
grupo. Talvez seja algo que acontece em algumas relações quando a qualidade das
mesmas começa a fragilizar. Talvez seja apenas um sentimento mais corriqueiro
que se pode sentir quando se escreve para uma rubrica de um blog para gente
pensadora que não tem tempo ou disponibilidade mental para deixar um
comentário.
No returns.
Raúl Melo
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