segunda-feira, 28 de abril de 2014

[Competência(r)]: Competência(r)


A área das competências tem diversas questões-chave que os investigadores e teóricos ambicionam responder.
A competência humana tem vindo a ser definida como um conjunto de competências, entre as quais a competência social que consiste num conjunto de ações, atitudes e pensamentos que o indivíduo apresenta em relação à sociedade, à sua comunidade, aos indivíduos com que interage e a ele próprio. Assim, é fácil compreender que este se tenha constituído um campo de estudo da psicologia. Por exemplo, já Thorndike em 1920, sugeria três tipos de inteligência, um dos quais se reportaria à inteligência social ou competência social. Muitos outros autores têm estudado este constructo, utilizando vários nomes e diferentes definições, mas é unânime a importância deste campo para a psicologia.
Existe uma competência social, equiparando-se ao Fator g, ou existirão diversas competências sociais (como as inteligências múltiplas)? E ainda, a distinção, em termos práticos, entre treino de competências sociais, desenvolvimento pessoal e desenvolvimento de competências sociais e emocionais.
Diversos autores têm-se debruçado sobre as questões enumeradas, sendo que várias referências podem ser apontadas para a discussão teórica sobre estes temas.
Assim esta rubrica pretende reunir alguma bibliografia essencial sobre estes temas teóricos mas avançar também com aspetos mais práticos sobre o desenvolvimento de competências sociais e emocionais.

Marta Marchante

segunda-feira, 21 de abril de 2014

[PREVENIcaNDO]: Vai uma cartada?


O Baralhações é um material de dinamização de grupos que um dia tive a possibilidade de criar. É um baralho de emoções através do qual muitas reflexões podem acontecer a partir de uma abordagem lúdica. Porque nem todas as prevenções são universais e porque nem todas as dinâmicas são de grupo, escolhi uma experiência que tive com este material para o ilustrar.
Habituamo-nos a pensar a prevenção como algo que acontece antes dos problemas que queremos evitar mas frequentemente lidamos com situações em que procuramos prevenir que os problemas venham a ser maiores do que já são. Esta é a esfera da prevenção indicada e nela se movem profissionais e indivíduos que gerem situações de risco presente que se deseja que não passem a risco instalado. Era esta situação que eu tinha pela frente com um jovem que apresentava consumos esporádicos de cannabis. Falava-me da confusão dos seus sentimentos e da dificuldade de os gerir, da incapacidade de os ler corretamente quando expressos pelos outros e sobretudo do seu jeito desajeitado de dar resposta. Propus-lhe que batêssemos uma cartada.
Achou que eu estava maluco - o que em psicologia dá sempre jeito para que o outro não nos veja de forma tão ideal - mas aceitou quando me viu puxar do Baralhações. Explorou algumas das cartas e dos desenhos bem dispostos que o ilustram e perguntou-me como se jogava. Disse lhe "tem dias". A convicção do meu "amalucanço" aumentou. Expliquei que o jogo que íamos jogar mudava consoante o dia, mas que, hoje, era muito fácil. Cada um de nós teria cinco cartas ao acaso e que iríamos simplesmente bater umas cartas. Cada vez que puséssemos uma carta na mesa poderíamos ir ao baralho buscar outra. Estas eram as regras básicas, mas consoante as situações as regras poderiam mudar. Ele concordou e começamos a jogar.
 
A primeira carta foi minha e perguntei-lhe o que é que ele achava que a imagem representava. Era uma cena qualquer em que um grupo se divertia numa festa. Disse-me que parecia representar alegria. Perguntei lhe então o que é que eu quereria dizer jogando uma carta de alegria. Pensou um pouco. "Pode querer dizer que está alegre... Ou desafiar-me para ir a uma festa... Sei lá." Sugeri-lhe que batesse uma carta de resposta. Olhou para as suas cinco cartas e acabou por escolher uma outra em que três amigos parecem pousar para uma fotografia com um a fazer corninhos ao outro. Fui ao baralho e procurei nele a carta que me interessava e coloquei-a em cima da mesa. Quando foi a vez de ele biscar disse-lhe que não podia escolher. Teria de tirar uma carta qualquer ao acaso. Reagiu. "Isso não é justo". Expliquei-lhe que nem todos tínhamos acessos às cartas da mesma maneira e que se ele queria jogar teria de aceitar a regra. Rabujou mas acabou por lançar uma segunda carta. Repeti a procura da carta que mais me interessava e quando ele se apressava para biscar disse-lhe que, embora pudesse fazê-lo não poderia ver a carta. "Então para que é que serve?" "É um recurso que tens. Sabes que o tens mas não sabes qual é". Voltou a rabujar. Com menos cartas visíveis a tarefa dele tornou-se mais difícil. Não tinha cartas de jeito. E ainda por cima não podia ver a última. Disse-lhe que podia passar. Deu-me a vez e eu fui buscar nova carta e dei continuidade a este diálogo de emoções. Disse-lhe que como não tinha deitado uma carta fora não poderia biscar, mas eu permitia-lhe trocar uma carta que não lhe interessasse por outra do baralho, com a condição de ele não poder ver a que biscasse. Embora não gostasse da regra aceitou-a. Passou a ter duas cartas desconhecidas e três que pouco lhe interessavam. Concordamos que, ao não jogar, não só a situação dele não melhorava como eu poderia começar a desinteressar-me dele. Disse-lhe que respondesse de qualquer modo. Ou com uma carta completamente dissonante da minha ou arriscando uma carta das desconhecidas.
O jogo continuou com outras peripécias mas no fim o resultado foi uma grande irritação com o resultado daquele diálogo. A conversa sobre o jogo ajudou o jovem a rever-se na dinâmica. De facto nem sempre temos ao nosso dispor as cartas que queremos, às vezes porque o nosso baralho é pobre, outras vezes porque não sabemos jogar com as cartas que temos outras ainda porque não nos conhecermos suficientemente bem para sabermos das nossas cartas. Aí, claramente podemos optar por nos retrairmos e sair do jogo, ficar a ver sem participar ou arriscar, e mesmo podendo parecer estranho, o diálogo permitirá a troca e o crescimento. O sorriso de se ver ilustrado no jogo permitiu-me perceber que a mensagem tinha sido captada. Ficamos um pouco mais a explorar o jogo com outras regras malucas, umas minhas outras dele, mas a cartada seguiu animada. No final da sessão despediu-se a rir. "Ninguém vai acreditar que estive a tarde a jogar as cartas consigo." "Pois. É tão plausível como dizer que me diverti imenso com os teus problemas".
Enfim. Quem disse que a prevenção tem de ser muito séria? O importante é que faça sentido.

Raúl Melo

quinta-feira, 17 de abril de 2014

[Comboio do Desenvolvimento]: Noção de Estádio de Desenvolvimento


Fases, etapas, níveis, estádios…do desenvolvimento psicológico

Vimos que, desde há muito tempo, a descrição do ciclo de vida das pessoas induziu a delimitação de diferentes fases, períodos, etapas, níveis ou estádios do desenvolvimento físico e psicológico associadas a diferentes práticas educativas ou de socialização.
Contudo, deixei uma interrogação aos meus leitores sobre a natureza universal ou relativamente consensual dessas divisões do ciclo de vida, recordam-se? Mais precisamente, será que ao longo da história, nas diferentes culturas ou até entre os investigadores do desenvolvimento humano, nos deparamos sempre com uma divisão comum, idêntica, dessas fases, períodos, etapas, níveis ou estádios que parecem marcar a sucessão do desenvolvimento humano?
Por hoje, vamos então invocar alguns exemplos históricos e interculturais que desafiam a nossa reflexão. 

Conta-nos Tran-Thong (1976), que na Índia antiga, a vida das pessoas das castas socialmente mais elevadas era dividida em seis períodos associados a diferentes rituais e modos de viver. O recém-nascido era sujeito ao rito da denominação; aos 3 anos, a criança submetia-se ao corte do cabelo e recebia o traje da sua família; entre os 8 e os 12 anos, era confiada a um preceptor numa cerimónia que marcava o seu nascimento espiritual e o início do tempo de educação literária e marcial; aos 16 anos, o jovem voltava à casa paterna, era sujeito ao rito do corte da barba e declarado pronto para casar para, em seguida, passar a dono de casa, responsável pela sua família e pela sua profissão; por fim, quando se sentia velho, deixava a família, retirava-se na floresta, para meditar os textos sagrados e aceder ao estatuto supremo de monge, nómada e mendicante.  
Conta-nos ainda Tran-Thong (1976) que, entre os antigos romanos, a vida das pessoas era também dividida em seis fases que parecem, aliás, cada vez mais actuais nas nossas sociedades desenvolvidas: o infans até aos 7 anos, o puer dos 7 aos 17 anos, o adolescens dos 17 aos 30 anos, o juvenis dos 30 aos 46 anos, o senior dos 46 aos 60 anos e o senex dos 60 aos 80 anos.
Conta-nos finalmente Ferreira da Silva (1982) que na nossa cultura, ainda há pouco tempo, a vida das pessoas se dividia em quatro fases: a idade da razão aos 7 anos, a adolescência desde os 14 anos, a maioridade aos 21 anos e a aposentação aos 70 anos.

Ora, estes simples exemplos históricos e culturais sugerem já algumas conclusões que legitimam, mas também desafiam, a distinção e conceptualização de diferentes fases, etapas, períodos, níveis ou estádios no ciclo de vida humana.
Em primeiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que acontecem mudanças, orgânicas e psicológicas, relativamente uniformes, universais e irreversíveis, pois são comuns à maioria das pessoas, podem ocorrer em diversos contextos de vida e, quando ocorrerem, perduram no tempo e nunca mais se perdem.    
Em segundo lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que essas mudanças são direccionadas, progressivas e relativamente inevitáveis, pois obedecem a uma ordem de sucessão constante que acompanha, basicamente, a sequência de evolução e involução biológica do nosso próprio organismo e o percurso que, acreditamos, caracteriza o desenvolvimento psicológico típico do Homem.   
Em terceiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam que essas mudanças não são meramente superficiais, contingentes, ocasionais ou idiossincráticas, são mudanças profundas, estruturais e consistentes da conduta humana que, como vimos, têm orientado e regulado a integração do indivíduo em diferentes níveis de educação e em diferentes formas de vida pessoal e social.

Porém, tanto o número de etapas, fases, períodos do ciclo de vida humana, como as idades e mesmo a identificação das mudanças que as demarcam, variam com o tempo histórico, com a cultura, com a classe social, enfim, com um conjunto de variáveis de natureza social, contextual e até individual que parecem também indicar que essas divisões permanecem eventualmente mais artificiais e culturais do que naturais, estruturais e consensuais.
Em síntese, um simples olhar histórico-cultural mostra já porque continua em aberto o debate sobre a noção de estádio do desenvolvimento psicológico. De facto, a conceptualização das mudanças que interessam os psicólogos do desenvolvimento permanecem ainda largamente dependentes da perspectiva de pensamento, moderno ou pós-moderno, dos próprios investigadores, dos seus domínios de estudo e das limitações metodológicas inerentes à própria investigação científica.

Maria Stella Aguiar

Referências
Chandler, M. (1997). Stumping for progress in a post-modern world. In E. Amsel & K. A. Renninger (Eds), Change and development. Issues of theory, method and application. N.J: Lawrence Erlbaum.
Lourenço, O. (2002). Psicologia de Desenvolvimento Cognitivo: Teoria; Dados e Implicações. 2ª Ed. Coimbra: Almedina.
Silva, F. (1982). Estudos de Psicologia. Coimbra: Livraria Almedina.
Tran-Thong (1987). Estádios e Conceito de Estádio de Desenvolvimento da Criança na Psicologia Contemporânea. Vol. 1 e 2. Porto: Afrontamento.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

[Temáticas Organizadas]: Gestão de Carreira: Para Além do Controlo


No mundo ocidentalizado, o ser humano vive grande parte da sua vida no futuro. Fazemos constantes previsões acerca da evolução da tecnologia, dos governos, dos mercados, do trabalho. Com base nesta visão de futuro, definimos estratégias que não fazem mais do que tentar assegurar que um determinado resultado é atingido. De forma semelhante, fazemos o mesmo com a nossa carreira quando definimos que curso completar e que profissão seguir; em que empresa trabalhar, que funções ocupar e quanto dinheiro ganhar. Mesmo que, muitas vezes, tal planeamento se aproxime mais de uma declaração de intenções, somos automaticamente impulsionados a definir uma visão de futuro para a nossa carreira. 
Na base desta abordagem à gestão de carreira está a crença de que, ao definir uma estratégia, conseguimos atingir um determinado resultado. É uma abordagem estritamente racional e parte do pressuposto que, com uma clara definição de objectivos e um ajustamento entre os interesses pessoais e as aptidões necessárias para o acesso à carreira, temos as condições necessárias para prever um caminho para o futuro. Planear a carreira desta forma, para além de nos motivar para a acção, transmite-nos uma percepção ilusória de controlo sobre o futuro. Mesmo que as leis do mercado tenham mudado e que prever o futuro seja cada vez mais difícil, a verdade é que continuamos a alimentar o artifício de que a carreira deve obedecer a uma sequência de etapas pré-definidas. 
Esta abordagem à gestão de carreira não é nem boa nem má por si só. Mas, nos tempos complexos e incertos que enfrentamos, qual a probabilidade de assegurar que seremos contabilista, médico, professor, consultor para toda a vida?
A verdade é que, enquanto vamos pensando na carreira em termos hipotéticos, o presente acontece. Vamos vivendo diferentes experiências de vida, acumulando diferentes papéis, valorizando diferentes abordagens e, quando de repente despertamos para o presente, damo-nos conta de que aquilo que planeamos deixou de fazer sentido. Por diversas circunstâncias, fruto de pressões externas ou internas, percebemos que o percurso de carreira que hipoteticamente definimos já não é viável e não consegue suprimir um conjunto de necessidades que queremos asseguradas. Outras vezes, percebemos que o que temos actualmente já não nos é suficiente. Quase sempre, quando o choque com o presente acontece, sentimo-nos fragilizados. De alguma forma, tornamo-nos vítimas inconscientes de um processo de desfasagem entre uma carreira idealizada e a realidade do mercado e da pessoa que somos hoje.
A carreira de uma pessoa é indissociável do cumulativo das suas experiências. Carreira e vida andam lado a lado uma da outra simplesmente porque não podemos dissociar o “eu” profissional do “eu” pessoal. As experiências que continuamente vivemos quer no trabalho quer na vida pessoal determinam quem somos e este é um facto com o qual temos de aprender a viver.
Pelas vivências que vamos acumulando, pelas oportunidades que não havíamos previsto ou antecipado e pelas mudanças de contexto, somos muitas vezes forçados a reajustar a nossa trajectória e a replanear alguns dos nossos objectivos futuros. Por outras palavras, à medida que vamos acumulando experiências, a nossa visão do mundo muda e podemos ter em conta outras variáveis nas nossas projecções e decisões e futuras, ajustando assim o nosso alvo final.
Por este motivo, a carreira é um processo em construção contínua e a sua gestão aproxima-se da imagem de um artesão a moldar o barro. Quando um artesão começa a trabalhar não sabe ao certo o resultado final. O produto que emerge pode tomar uma forma diferente dos seus anteriores trabalhos ou mesmo daquilo que ele se propôs fazer à medida que as suas mãos vão moldando o barro. Para este artesão, a acção precede o pensamento e um novo objecto pode aparecer a qualquer altura do seu processo de trabalho.
A imagem do artesão a moldar o barro é uma metáfora inspiradora, com implicações profundas para a nossa actuação. Nesta metáfora, cada um de nós é um artesão e a carreira o barro por moldar. À semelhança do artesão também nós podemos dar formas diferentes à nossa carreira à medida que acumulamos novas experiências de vida e novas competências. Pensar a carreira nestes termos torna-nos mais flexíveis e aumenta a nossa empregabilidade: permite-nos, sem sentimento de frustração ou insucesso, abrir mão do que havíamos intencionado por inadequação ao mercado actual e à pessoa que somos hoje.
Num mundo em permanente mutação, controlar o futuro é impraticável e, quase sempre, pouco adaptativo. Mais ainda, pensar que controlamos o futuro torna-nos alienados do presente. Por isso, gerir a carreira não é sinónimo de controlo mas de construção contínua. Para o nosso próprio desenvolvimento temos de ter a capacidade de perceber que o futuro pode ser reajustado à medida que se percorre o caminho até chegar a ele. Gerir a nossa carreira é ter a coragem de abrir mão daquilo que damos por adquirido e construir um novo significado à medida que nos modificamos com as nossas experiências pessoais. Gerir a carreira é ser o artesão da nossa própria vida. 

Andreia Rosa

domingo, 6 de abril de 2014

Jogar com o que Temos


Bandura falou a certa altura dos ganhos a longo prazo. É algo que faz parte da percepção de auto-eficácia. Se eu perceber que determinada forma de me garante mais ganhos, é essa a forma que terei de adoptar para a minha melhor adaptação. Neste sentido, poderei ter de abdicar de alguns ganhos agora, para que os de futuro, sejam maiores.
E é neste jogo que nos deparamos todos os dias. Como que num jogo de controlo, balançando o que queremos fazer com o que queremos obter. Jogando com as cartas que temos que nem sempre são suficientes para perceber a escolha a realizar e o caminho a tomar. Então fazemos o quê?
Bandura diria que faríamos aquilo para o qual somos melhor, associando a nossa percepção de auto-eficácia às nossas competências e comportamentos directos, desejando que o caminho escolhido fosse, assim, o que nos traria mais ganhos.
Mas como ter a certeza? Não se tem. Nem sei, contudo, se é suposto que se tenha.
Como não nos tornarmos reféns do que queremos agora? Fácil. Percebendo o que queremos no futuro e equilibrando a nossa necessidade de controlo com o que podemos ganhar.
Nem sempre é certo, mas é o caminho mais adaptativo.

Tiago A. G. Fonseca