No
mundo ocidentalizado, o ser humano vive grande parte da sua vida no futuro.
Fazemos constantes previsões acerca da evolução da tecnologia, dos governos, dos
mercados, do trabalho. Com base nesta visão de futuro, definimos estratégias que
não fazem mais do que tentar assegurar que um determinado resultado é atingido.
De forma semelhante, fazemos o mesmo com a nossa carreira quando definimos que
curso completar e que profissão seguir; em que empresa trabalhar, que funções
ocupar e quanto dinheiro ganhar. Mesmo que, muitas vezes, tal planeamento se
aproxime mais de uma declaração de intenções, somos automaticamente
impulsionados a definir uma visão de futuro para a nossa carreira.
Na
base desta abordagem à gestão de carreira está a crença de que, ao definir uma
estratégia, conseguimos atingir um determinado resultado. É uma abordagem
estritamente racional e parte do pressuposto que, com uma clara definição de
objectivos e um ajustamento entre os interesses pessoais e as aptidões
necessárias para o acesso à carreira, temos as condições necessárias para
prever um caminho para o futuro. Planear a carreira desta forma, para além de
nos motivar para a acção, transmite-nos uma percepção ilusória de controlo sobre
o futuro. Mesmo que as leis do mercado tenham mudado e que prever o futuro seja
cada vez mais difícil, a verdade é que continuamos a alimentar o artifício de
que a carreira deve obedecer a uma sequência de etapas pré-definidas.
Esta
abordagem à gestão de carreira não é nem boa nem má por si só. Mas, nos tempos complexos
e incertos que enfrentamos, qual a probabilidade de assegurar que seremos
contabilista, médico, professor, consultor para toda a vida?
A
verdade é que, enquanto vamos pensando na carreira em termos hipotéticos, o
presente acontece. Vamos vivendo diferentes experiências de vida, acumulando
diferentes papéis, valorizando diferentes abordagens e, quando de repente
despertamos para o presente, damo-nos conta de que aquilo que planeamos deixou
de fazer sentido. Por diversas circunstâncias, fruto de pressões externas ou
internas, percebemos que o percurso de carreira que hipoteticamente definimos
já não é viável e não consegue suprimir um conjunto de necessidades que
queremos asseguradas. Outras vezes, percebemos que o que temos actualmente já
não nos é suficiente. Quase sempre, quando o choque com o presente acontece,
sentimo-nos fragilizados. De alguma forma, tornamo-nos vítimas inconscientes de
um processo de desfasagem entre uma carreira idealizada e a realidade do
mercado e da pessoa que somos hoje.
A
carreira de uma pessoa é indissociável do cumulativo das suas experiências. Carreira
e vida andam lado a lado uma da outra simplesmente porque não podemos dissociar
o “eu” profissional do “eu” pessoal. As experiências que continuamente vivemos
quer no trabalho quer na vida pessoal determinam quem somos e este é um facto
com o qual temos de aprender a viver.
Pelas
vivências que vamos acumulando, pelas oportunidades que não havíamos previsto
ou antecipado e pelas mudanças de contexto, somos muitas vezes forçados a
reajustar a nossa trajectória e a replanear alguns dos nossos objectivos
futuros. Por outras palavras, à medida que vamos acumulando experiências, a
nossa visão do mundo muda e podemos ter em conta outras variáveis nas nossas projecções
e decisões e futuras, ajustando assim o nosso alvo final.
Por
este motivo, a carreira é um processo em construção contínua e a sua gestão aproxima-se
da imagem de um artesão a moldar o barro. Quando um artesão começa a trabalhar
não sabe ao certo o resultado final. O produto que emerge pode tomar uma forma
diferente dos seus anteriores trabalhos ou mesmo daquilo que ele se propôs
fazer à medida que as suas mãos vão moldando o barro. Para este artesão, a
acção precede o pensamento e um novo objecto pode aparecer a qualquer altura do
seu processo de trabalho.
A
imagem do artesão a moldar o barro é uma metáfora inspiradora, com implicações
profundas para a nossa actuação. Nesta metáfora, cada um de nós é um artesão e
a carreira o barro por moldar. À semelhança do artesão também nós podemos dar
formas diferentes à nossa carreira à medida que acumulamos novas experiências
de vida e novas competências. Pensar a carreira nestes termos torna-nos mais flexíveis
e aumenta a nossa empregabilidade: permite-nos, sem sentimento de frustração ou
insucesso, abrir mão do que havíamos intencionado por inadequação ao mercado
actual e à pessoa que somos hoje.
Num
mundo em permanente mutação, controlar o futuro é impraticável e, quase sempre,
pouco adaptativo. Mais ainda, pensar que controlamos o futuro torna-nos
alienados do presente. Por isso, gerir a carreira não é sinónimo de controlo
mas de construção contínua. Para o nosso próprio desenvolvimento temos de ter a
capacidade de perceber que o futuro pode ser reajustado à medida que se
percorre o caminho até chegar a ele. Gerir a nossa carreira é ter a coragem de
abrir mão daquilo que damos por adquirido e construir um novo significado à medida
que nos modificamos com as nossas experiências pessoais. Gerir a carreira é ser
o artesão da nossa própria vida.
Andreia Rosa
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