Fases,
etapas, níveis, estádios…do desenvolvimento psicológico
Vimos que, desde há
muito tempo, a descrição do ciclo de vida das pessoas induziu a delimitação de diferentes
fases, períodos, etapas, níveis ou estádios do desenvolvimento físico e psicológico
associadas a diferentes práticas educativas ou de socialização.
Contudo, deixei uma
interrogação aos meus leitores sobre a natureza universal ou relativamente
consensual dessas divisões do ciclo de vida, recordam-se? Mais precisamente,
será que ao longo da história, nas diferentes culturas ou até entre os
investigadores do desenvolvimento humano, nos deparamos sempre com uma divisão comum,
idêntica, dessas fases, períodos, etapas, níveis ou estádios que parecem marcar
a sucessão do desenvolvimento humano?
Por hoje, vamos então invocar
alguns exemplos históricos e interculturais que desafiam a nossa reflexão.
Conta-nos Tran-Thong
(1976), que na Índia antiga, a vida das pessoas das castas socialmente mais
elevadas era dividida em seis períodos associados a diferentes rituais e modos
de viver. O recém-nascido era sujeito ao rito da denominação; aos 3 anos, a
criança submetia-se ao corte do cabelo e recebia o traje da sua família; entre
os 8 e os 12 anos, era confiada a um preceptor numa cerimónia que marcava o seu
nascimento espiritual e o início do tempo de educação literária e marcial; aos
16 anos, o jovem voltava à casa paterna, era sujeito ao rito do corte da barba
e declarado pronto para casar para, em seguida, passar a dono de casa,
responsável pela sua família e pela sua profissão; por fim, quando se sentia
velho, deixava a família, retirava-se na floresta, para meditar os textos
sagrados e aceder ao estatuto supremo de monge, nómada e mendicante.
Conta-nos ainda Tran-Thong
(1976) que, entre os antigos romanos, a vida das pessoas era também dividida em
seis fases que parecem, aliás, cada vez mais actuais nas nossas sociedades
desenvolvidas: o infans até aos 7
anos, o puer dos 7 aos 17 anos, o adolescens dos 17 aos 30 anos, o juvenis dos 30 aos 46 anos, o senior dos 46 aos 60 anos e o senex dos 60 aos 80 anos.
Conta-nos finalmente
Ferreira da Silva (1982) que na nossa cultura, ainda há pouco tempo, a vida das
pessoas se dividia em quatro fases: a idade
da razão aos 7 anos, a adolescência
desde os 14 anos, a maioridade aos 21
anos e a aposentação aos 70 anos.
Ora, estes simples exemplos
históricos e culturais sugerem já algumas conclusões que legitimam, mas também desafiam,
a distinção e conceptualização de diferentes fases, etapas, períodos, níveis ou
estádios no ciclo de vida humana.
Em primeiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam
que acontecem mudanças, orgânicas e psicológicas, relativamente uniformes, universais
e irreversíveis, pois são comuns
à maioria das pessoas, podem ocorrer em diversos contextos de vida e, quando
ocorrerem, perduram no tempo e nunca mais se perdem.
Em segundo lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam
que essas mudanças são direccionadas,
progressivas e relativamente
inevitáveis, pois obedecem a uma ordem de sucessão constante que
acompanha, basicamente, a sequência de evolução e involução biológica do nosso
próprio organismo e o percurso que, acreditamos, caracteriza o desenvolvimento psicológico
típico do Homem.
Em terceiro lugar, há muito tempo que os homens se aperceberam
que essas mudanças não são meramente superficiais, contingentes, ocasionais ou idiossincráticas,
são mudanças profundas, estruturais e consistentes da conduta humana que, como vimos, têm orientado e
regulado a integração do indivíduo em diferentes níveis de educação e em
diferentes formas de vida pessoal e social.
Porém, tanto o número de
etapas, fases, períodos do ciclo de vida humana, como as idades e mesmo a identificação
das mudanças que as demarcam, variam com o tempo histórico, com a cultura, com
a classe social, enfim, com um conjunto de variáveis de natureza social,
contextual e até individual que parecem também indicar que essas divisões permanecem
eventualmente mais artificiais e culturais do que naturais, estruturais e consensuais.
Em síntese, um simples
olhar histórico-cultural mostra já porque continua em aberto o debate sobre a
noção de estádio do desenvolvimento
psicológico. De facto, a conceptualização das mudanças que interessam os
psicólogos do desenvolvimento permanecem ainda largamente dependentes da
perspectiva de pensamento, moderno ou
pós-moderno, dos próprios
investigadores, dos seus domínios de estudo e das limitações metodológicas inerentes
à própria investigação científica.
Maria Stella Aguiar
Referências
Chandler, M. (1997). Stumping for progress in a post-modern world. In E.
Amsel & K. A. Renninger (Eds), Change and development. Issues of theory,
method and application. N.J: Lawrence Erlbaum.
Lourenço, O. (2002). Psicologia de Desenvolvimento Cognitivo:
Teoria; Dados e Implicações. 2ª Ed. Coimbra: Almedina.
Silva, F. (1982).
Estudos de Psicologia. Coimbra: Livraria Almedina.
Tran-Thong (1987). Estádios e Conceito de Estádio de
Desenvolvimento da Criança na Psicologia Contemporânea. Vol. 1 e 2. Porto:
Afrontamento.
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