Todos
aqueles que trabalham com grupos, todos os que trabalham em contextos sociais
desfavorecidos, todos os que trabalham com populações de risco já se
confrontaram com a necessidade de se posicionarem. És dos nossos ou estás
contra nós? Dás a cara ou passas despercebido? Intervir com grupos de risco
coloca-nos numa posição estranha de nos identificarmos com eles. Como aprendi
há uns largos anos atrás, as instituições que trabalham com populações
segregadas, acabam de algum modo por ser encaradas como marginais, necessárias,
talvez mesmo até nobres, mas regendo-se por regras necessariamente mais
próximas da sua população do que da população em geral. Esse é o preço da proximidade e é um preço importante de se pagar em
função do que é importante ser feito, numa sociedade em que o bem-estar colectivo
é responsabilidade de todos.
Daí
que pensar sobre o assunto, fazer pensar, é essencial no processo preventivo.
Se vos dissesse que vos daria a possibilidade de descarregar um problema nas
costas de alguém, vocês aceitariam? Se vos desse um autocolante e vos dissesse
que esse autocolante era um problema e que vocês poderiam escolher alguém em
quem o descarregar, aproveitariam? A dinâmica é simples. Todos os jogadores
recebem um autocolante e por um período muito curto de tempo podem livrar-se do
seu problema, desde que seja nas costas de alguém. E o que é que acontecesse?
Alguns recusam-se a fazê-lo porque não querem sobrecarregar ninguém com o seu
problema. Outros encaram a regra com entusiasmo e procuram activamente descarregar
o seu problema, nos vizinhos, nas pessoas com quem têm mais à vontade, ou
simplesmente em quem calhar. Por vezes no entusiasmo de descarregar colocam-se
sem posições desfavoráveis e tornam-se alvo das descargas dos outros. Em
consequência… uns acabam com mais problemas nas costas do que outros.
Normalmente essas pessoas são aquelas que no momento indicado estavam no centro
do grupo, acessíveis… Enquanto outras estavam na zona periférica do grupo,
estrategicamente ou não, menos expostas… E a reflexão decorre com constatações
e consciencializações que preparam os jogadores para uma nova rodada de
problemas. Desta vez, aqueles que têm mais problemas nas costas estão mais
limitados na sua movimentação. São mais lentos ou até mesmo estáticos, estão cegos
ou impossibilitados de se defenderem. Esse
é o peso dos problemas. Limitam-nos. O jogo prossegue porque há sempre
novos problemas para descarregar. E com a aprendizagem anterior os jogadores
entregam-se à dinâmica. E após nova descarga a reflexão regressa. Por vezes o
centro do grupo esvazia-se porque se sabe que quem se põe a jeito apanha com
mais problemas. Outras vezes os jogadores sobrecarregados recebem mais uns
quantos problemas porque “assim como assim” eram quem estava mais à mão de
semear. Outras vezes ainda alguns jogadores percebem que podem trocar problemas
dando o seu em troca do outro. E a compreensão estabelece-se que os problemas,
quando bem distribuídos não representam sobrecarga para ninguém. E que o medo
irracional do mal que os outros nos podem fazer torna-nos jogadores ferozes que
se protegem dos outros e se possível se livram do que os sobrecarrega.
E,
finalmente, se jogássemos este jogo em grupo, cada um deles com os seus
elementos frágeis, lentificados ou paralisados, cegos ou impossibilitados de se
defenderem, o que é que aconteceria. Alguns grupos escolheriam estes elementos
como alvo nas equipas adversárias. Outros protegeriam os seus elementos frágeis
abdicando do ataque aos outros, outros ainda encontrariam estratégias para que
todos pudessem ser parte activa quer no ataque quer na defesa. Mas nunca, mesmo
nunca, vi duas equipas trocarem de problemas dando o seu em troca dos outros.
E
quando pensamos sobre isto é inevitável pensar de que lado estamos? Do nosso,
do deles ou do de todos? Do lado de dentro ou de fora? Na frente ou atrás? Acima
dos outros, ao lado ou abaixo? Ou conseguimo-nos ver entre lados,
equidistantes, preenchendo vazios, ligando partes?
Como
nos posicionamos para ajudar? Ensinamos estratégias de defesa ou de ataque?
Motivamos para novas batalhas? Acolhemos as descargas que resultam da revolta,
da marginalização, do sentimento de injustiça? Ou ajudamos a crescer num mundo
onde os problemas se descarregam mais do que se partilham?
Raúl
Melo
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