Hoje, vou continuar a desviar
o percurso do nosso comboio do desenvolvimento psicológico, para recordar um outro
acontecimento que a vida académica me ofereceu também no final do ano que
passou.
Quero falar-vos do I Encontro do Psicologia
Para Psicólogos, que teve lugar na Faculdade de Psicologia da
Universidade de Lisboa, dedicado ao tema “
Pela
Psicologia do Desenvolvimento: Criatividade e Arte”,
e onde me deram o privilégio de
participar.
Penso
que todos aqueles que lá estiveram, e foram bem mais do que se poderia esperar,
concordarão que foi um sucesso!
Pela
capacidade de iniciativa e organização da equipa responsável, pela escolha dos
temas das várias comunicações, pelo encontro entre oradores
seniors,
dedicados à vida académica, e jovens psicólogos, que nos trouxeram a experiência
viva de projectos de avaliação e intervenção para o desenvolvimento pessoal e
social em que estão directamente envolvidos e até que já lideram.
Contudo,
para mim, o sucesso deste acontecimento é particularmente importante,
surpreendente e gratificante porque marca uma nova etapa da acção de um grupo
de jovens adultos, que conheci ainda estudantes e que, exclusivamente com o seu
trabalho, determinação e capacidade de autonomia, continuam a transformar para
mais e melhor o que eles próprios já realizaram, indo sempre além do que, uns e
outros, lhes fomos transmitindo e ensinando. Enfim, penso que este I Encontro promovido pelo Psicologia
Para Psicólogos nos oferece um
modelo de construção activa do próprio desenvolvimento psicológico, pessoal,
académico e profissional, que desafia a nossa reflexão neste espaço que eles nos
continuam a oferecer.
“Educação é o que resta depois de se ter
esquecido tudo que se aprendeu na escola” (A. Einstein), pois “O saber que não vem da experiência não é realmente saber” (L. Vygotski).
Na perspectiva sócio-cultural de Vygotski e dos seus muitos seguidores
actuais, a aprendizagem específica do homem, que o distingue de outras espécies
animais, é sempre mediada pela relação com outros, mais competentes, que nos
transmitem os conhecimentos e os instrumentos de acção que foram construídos ao
longo de muitas gerações e que nos ajudam a ampliar o nosso próprio
conhecimento e a regular a nossa própria acção sobre o mundo.
Vejamos, por exemplo, uma criança que chega à escola ignorante das
regras de cálculo numérico. Na escola, encontra a transmissão desse saber fundamental
para a sua adaptação à nossa sociedade. Numa primeira fase, de aprendizagem
socialmente mediada, a criança aprende as regras de cálculo, até já pode ser
capaz de as reproduzir, mas só consegue utilizar esse saber para realizar uma
conta qualquer, se alguém, mais competente, lhe for indicando, passo a passo, o
que fazer e for avaliando se cumpriu ou não as instruções.
Contudo, diz-nos Vygostski, essa aprendizagem, a educação, é uma
condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento psicológico.
Porquê? Porque o desenvolvimento implica um processo de internalização, de apropriação, de utilização autónoma, pelo próprio
sujeito, das aprendizagens que lhe
foram socialmente transmitidas e cuja utilização era socialmente regulada.
Vejamos, então, como a experiência de cálculo, gerido e regulado por
outros, leva, pouco a pouco, a nossa criança a dispensar os seus tutores, fazer
sozinha muitas contas e avaliar sozinha se essas contas estão certas ou
erradas. Em síntese, para que o desenvolvimento da competência de cálculo
numérico aconteça, a criança tem que “esquecer” a dependência dos seus tutores
para gerir ela própria a sua acção, seleccionando os conhecimentos e os
instrumentos necessários a cada situação e regulando, de forma autónoma, a utilização
desse saber.
Tal como aquela criança, também os jovens estudantes chegam à
Universidade curiosos, e dependentes, do que a academia e os seus professores
têm para lhes ensinar. Mas, este é apenas um tempo de aprendizagem e de experiência
socialmente mediada que, cada estudante, terá sempre que adaptar, mudar,
transformar, de forma autónoma, na sua própria experiência, num percurso
pessoal e profissional que escolheu e que se determina a cumprir.
Este tem sido o percurso do Tiago Fonseca e do grupo de colegas
que, em Dezembro de 2013, nos ofereceram este I Encontro do Psicologia Para
Psicólogos. Espero que continuem….
Maria Stella Aguiar
Referências
Aguiar, M. S. (2007). Um
olhar sobre o desenvolvimento do pensamento-consciência em Lev Vygotski. In P.
Sargento dos Santos (Ed.), Temas candentes em Psicologia. Lisboa: Climepsi.
Valsiner, J. (1997). Constructing the personal through the cultural:
redundant organization of psychological development. In E. Amsel & K. A.
Renninger, Change and development. Issues of theory, method and application
(pp. 27-42). New Jersey: Erlbaum.
Vygotski, L. S. (1996).
Aprendizagem e desenvolvimento. Revista de Educação, Vol. I,
pp. 137-144.
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