sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

[Comboio do Desenvolvimento]: I Encontro da Psicologia para Psicólogos

Hoje, vou continuar a desviar o percurso do nosso comboio do desenvolvimento psicológico, para recordar um outro acontecimento que a vida académica me ofereceu também no final do ano que passou.
Quero falar-vos do I Encontro do Psicologia Para Psicólogos, que teve lugar na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, dedicado ao tema “Pela Psicologia do Desenvolvimento: Criatividade e Arte”, e onde me deram o privilégio de participar. Penso que todos aqueles que lá estiveram, e foram bem mais do que se poderia esperar, concordarão que foi um sucesso!
Pela capacidade de iniciativa e organização da equipa responsável, pela escolha dos temas das várias comunicações, pelo encontro entre oradores seniors, dedicados à vida académica, e jovens psicólogos, que nos trouxeram a experiência viva de projectos de avaliação e intervenção para o desenvolvimento pessoal e social em que estão directamente envolvidos e até que já lideram.
Contudo, para mim, o sucesso deste acontecimento é particularmente importante, surpreendente e gratificante porque marca uma nova etapa da acção de um grupo de jovens adultos, que conheci ainda estudantes e que, exclusivamente com o seu trabalho, determinação e capacidade de autonomia, continuam a transformar para mais e melhor o que eles próprios já realizaram, indo sempre além do que, uns e outros, lhes fomos transmitindo e ensinando. Enfim, penso que este I Encontro promovido pelo Psicologia Para Psicólogos nos oferece um modelo de construção activa do próprio desenvolvimento psicológico, pessoal, académico e profissional, que desafia a nossa reflexão neste espaço que eles nos continuam a oferecer. Educação é o que resta depois de se ter esquecido tudo que se aprendeu na escola (A. Einstein), pois O saber que não vem da experiência não é realmente saber (L. Vygotski). Na perspectiva sócio-cultural de Vygotski e dos seus muitos seguidores actuais, a aprendizagem específica do homem, que o distingue de outras espécies animais, é sempre mediada pela relação com outros, mais competentes, que nos transmitem os conhecimentos e os instrumentos de acção que foram construídos ao longo de muitas gerações e que nos ajudam a ampliar o nosso próprio conhecimento e a regular a nossa própria acção sobre o mundo. Vejamos, por exemplo, uma criança que chega à escola ignorante das regras de cálculo numérico. Na escola, encontra a transmissão desse saber fundamental para a sua adaptação à nossa sociedade. Numa primeira fase, de aprendizagem socialmente mediada, a criança aprende as regras de cálculo, até já pode ser capaz de as reproduzir, mas só consegue utilizar esse saber para realizar uma conta qualquer, se alguém, mais competente, lhe for indicando, passo a passo, o que fazer e for avaliando se cumpriu ou não as instruções. Contudo, diz-nos Vygostski, essa aprendizagem, a educação, é uma condição necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento psicológico. Porquê? Porque o desenvolvimento implica um processo de internalização, de apropriação, de utilização autónoma, pelo próprio sujeito, das aprendizagens que lhe foram socialmente transmitidas e cuja utilização era socialmente regulada.
Vejamos, então, como a experiência de cálculo, gerido e regulado por outros, leva, pouco a pouco, a nossa criança a dispensar os seus tutores, fazer sozinha muitas contas e avaliar sozinha se essas contas estão certas ou erradas. Em síntese, para que o desenvolvimento da competência de cálculo numérico aconteça, a criança tem que “esquecer” a dependência dos seus tutores para gerir ela própria a sua acção, seleccionando os conhecimentos e os instrumentos necessários a cada situação e regulando, de forma autónoma, a utilização desse saber. Tal como aquela criança, também os jovens estudantes chegam à Universidade curiosos, e dependentes, do que a academia e os seus professores têm para lhes ensinar. Mas, este é apenas um tempo de aprendizagem e de experiência socialmente mediada que, cada estudante, terá sempre que adaptar, mudar, transformar, de forma autónoma, na sua própria experiência, num percurso pessoal e profissional que escolheu e que se determina a cumprir.    Este tem sido o percurso do Tiago Fonseca e do grupo de colegas que, em Dezembro de 2013, nos ofereceram este I Encontro do Psicologia Para Psicólogos. Espero que continuem….

Maria Stella Aguiar 

Referências Aguiar, M. S. (2007). Um olhar sobre o desenvolvimento do pensamento-consciência em Lev Vygotski. In P. Sargento dos Santos (Ed.), Temas candentes em Psicologia. Lisboa: Climepsi.             Valsiner, J. (1997). Constructing the personal through the cultural: redundant organization of psychological development. In E. Amsel & K. A. Renninger, Change and development. Issues of theory, method and application (pp. 27-42). New Jersey: Erlbaum.  Vygotski, L. S. (1996). Aprendizagem e desenvolvimento. Revista de Educação, Vol. I, pp. 137-144.

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