No
último texto falei-vos do corpo como a casa que habitamos. Hoje falo-vos da vizinhança. Quando pensamos numa casa ela tem um
enquadramento, está no centro da cidade, ou nos subúrbios, perto de outras
casas ou isolada, é um castelo ou um piso térreo despretensioso. Pensar onde
nos situamos face aos outros é um tópico essencial no plano preventivo.
Um
dos momentos que recordo como de maior beleza na dinamização de grupos acorreu
em torno deste tema. Tratava-se de um grupo de universitários que se preparava
para assumir a condução de campos de férias de grupos de jovens em rutura
escolar enquadrados pelo Programa para a Eliminação da Exploração do Trabalho
Infantil (PEETI). Estávamos no final da formação e tinham sido já muitas as
dinâmicas aprendidas, estratégias equacionadas, técnicas aprendidas. Mas era
importante que cada um pensasse aonde a formação o tinha levado. Pediu-se que
cada um escolhesse na sala o seu lugar. O lugar que o situasse face aos outros
e face a si próprios. Uns escolheram as janelas, pela luz, pela vista para o
exterior, pelo calor ou simplesmente pelo prazer. Outros procuraram lugares
junto àqueles de quem mais gostavam, pelo afecto, pelo sentido que encontraram
no grupo, pelo calor humano, pela proximidade. Outros escolheram estar em
locais confortáveis, porque era assim que se sentiam, bem com eles e com o
mundo, prontos para o que aí vinha. Uns estavam junto às paredes pela protecção
que estas lhes ofereciam, num futuro que se avizinhava trabalhoso. Outros ainda
estavam junto às portas, como quem entra ou já como quem sai. A formação não
fora fácil para alguns e a porta assumia-se como uma segurança que permitia
repensar se a coisa corresse mal. Um a um todos falaram do sítio onde estava e
porque é que ali estavam. Ouvi-os do centro da sala, requerendo o silêncio de
respeito, saltando de elemento em elemento, como um processo circular. O
cansaço, o calor de início de verão convidava a um remate tranquilo para o
percurso feito em comunhão. No final havia sorrisos cúmplices e o campo estava
claramente relaxado. Do meu lugar no meio da sala dei-lhes os parabéns. Também
eu sabia o meu lugar e a razão de lá estar. Eu estava ali naquele centro porque naturalmente as coisas rodavam à
minha volta. Mas sobretudo eu estava ali, porque todos eles estavam onde
estavam.
Raúl
Melo
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