quinta-feira, 29 de maio de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
[Comboio do Desenvolvimento]: Noção de Estádio de Desenvolvimento Parte II
Vimos, há uns dias
atrás, como a divisão do ciclo de vida humano utilizada por diferentes culturas,
em diferentes momentos históricos, já parece confirmar, e também desafiar, as
noções de fase, etapa, nível, estádio
do desenvolvimento psicológico.
A partir do seculo XIX,
a teoria da evolução induziu uma ampla utilização destas noções por diversas
disciplinas científicas. Para além dos estádios de evolução das espécies
propostos pela própria biologia, os geólogos, por exemplo, descrevem-nos as
várias eras de formação do globo terrestre ou os sociólogos os diferentes
estádios de evolução das sociedades.
Nas palavras de
Tran-Thong (1976), a noção de estádio ou etapa descreve então e essencialmente
“os momentos sucessivos de um devir”
(p.371), uma vez que “traduz, numa ordem
irreversível, o tempo que dura uma qualidade ou um estado, entre o seu
aparecimento e o seu desaparecimento ou a sua substituição ou integração num
outro estado ou em uma outra qualidade” (p.371).
Para além da história,
da educação e das múltiplas disciplinas científicas que as utilizam, as noções de
fase, etapa, nível, estádio de evolução de um qualquer fenómeno físico ou social encontram ainda o seu
fundamento teórico no debate filosófico sobre o devir que, em Heráclito,
Lau-tseu, Hegel, Bergson e muitos
outros, é universal e contém em si-mesmo a contradição entre o permanente e o
mutável, o uno e o múltiplo, o contínuo e o descontínuo.
Porém, se olharmos a
história da nossa disciplina, a delimitação de fases, etapas ou estádios do desenvolvimento psicológico começou
por se centrar mais na descrição das mudanças ou descontinuidades que marcam a evolução
e diferenciação progressiva da conduta da criança e do adolescente. Vejamos!
As
primeiras descrições do desenvolvimento psicológico são diários ou relatos
biográficos do aparecimento sucessivo dos novos comportamentos ou
capacidades que podem ser observados ao longo dos primeiros anos de vida.
Já em 1787, Dietrich Tiedmann, Professor
de Grego e Filosofia na Universidade de Marbourg, propõe as “Observações sobre as Capacidades Mentais nas
crianças”, onde relata detalhadamente a mudança e evolução do comportamento
sensório-motor e da linguagem do seu filho até aos 2,5 anos de idade.
Multiplicam-se então as biografias
de bebés e crianças pré-escolares e, passado um século, o próprio Charles
Darwin regista, com a colaboração da mulher, o desenvolvimento dos seus 10 filhos,
particularmente do mais velho, William Erasmus,
entre 1839-1844, e de Anne Elizabeth, nascida em 1841. A partir das suas
próprias observações, Darwin constrói então um questionário sobre a expressão
de emoções e obtém dados adicionais de familiares com filhos pequenos e de outros
cientistas que observavam animais, crianças ou indivíduos de diferentes etnias,
com perturbações psíquicas ou défices sensoriais. Esta extensa investigação culmina
na publicação “The Expression of the emotions in man and animals”, em
1872, e ainda de um artigo, “A biographical sketch of an infant”, publicado
em 1877, que nos oferece um relato, naturalista e rigoroso, da ontogénese da
conduta sensório-motora, da imitação e linguagem, das
expressões emocionais de raiva, medo ou prazer de brincar, do pensamento, consciência
de si e sentido moral que observara ao longo dos primeiros 5 anos de vida do
seu filho mais velho.
Celeri, Jacintho e Dalgalarrondo (2010) traduziram
este artigo para português. Deixo aos meus leitores dois pedaços desse texto
que atestam bem o rigor de observação e o interesse de Darwin pela evolução das
mudanças de conduta do pequeno William Erasmus.
Contudo, é Wilhelm Preyer, contemporâneo de Darwin,
que nos deixa “The Mind of the Child”
(1882), a obra eventualmente mais marcante desta fase pioneira da Psicologia do
Desenvolvimento, que aqui evocaremos dentro de alguns dias.
Conduta
sensório-motora
“Durante os
primeiros sete dias de vida várias ações reflexas, por exemplo, espirrar,
soluçar, bocejar, esticar-se e, obviamente, sugar e chorar são bem executadas
pelos bebês. No sétimo dia eu toquei a sola nua de seu pé com um pedacinho de
papel e ele retirou-o para longe, encurvando ao mesmo tempo seus dedos, como
uma criança mais velha faz quando lhe fazemos cócegas.”
Emoção,
Comunicação e Linguagem Verbal
“…os desejos de um
bebé são inicialmente tornados inteligíveis pelos gritos instintivos que,
depois de um tempo, são modificados em parte inconscientemente e em parte, como
acredito, voluntariamente, como uma maneira de comunicação - pelas expressões
inconscientes peculiares, pelos gestos e de forma marcante por diferentes
entonações - e, finalmente, pelas palavras naturalmente inventadas pela
criança. Depois as palavras são imitadas de forma mais precisa, a partir da
audição e esta capacidade é adquirida de uma forma maravilhosamente rápida.”
Maria Stella Aguiar
Referências
Cairns, R.(1983). The
emergence of developmental psychology. In P.H. Mussen (Ed.) Handbook of
Child Psychology, Vol. 1 (4th edition) (pp.41-95). NJ: Wiley.
Cairns, R., & Cairns, B.
(2006). The making of developmental psychology. In W. Damon & R. M. Lerner
(Eds.) Handbook of Child Psychology, Vol. 1 (6th edition) (pp. 89-165). NJ: Wiley.
Celeri, E., Jacintho, A., & Dalgalarrondo, P. (2010). Charles Darwin: um observador do desenvolvimento
humano. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, 13, 4,
pp. 558-576. (http://dx.doi.org/10.1590/S1415-47142010000400002)
Atalhos:
[Comboio do Desenvolvimento],
Charles Darwin,
Desenvolvimento Psicológico,
Dietrich Tiedmann,
Estádio de Desenvolvimento,
Ferreira da Silva,
Maria Stella Aguiar,
Orlando Lourenço,
Tran-Thong
segunda-feira, 26 de maio de 2014
Evento: "Seminário Científico sobre Modelos Sistémicos de Intervenção"
O
Psicologia Para Psicólogos renovou a parceria com a Turma de 5ºAno de Sistémica
da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa!
Assim,
estamos mais uma vez presentes no seu evento cientifico anual.
“É
com muito gosto que vos convidamos a embarcar na viagem «Explorando os mundos da Sistémica». A viagem tem data marcada para
o dia 30 de Maio às 9 horas no anfiteatro Professor Ferreira Marques na Faculdade de Psicologia da
Universidade de Lisboa.
Neste
encontro contamos com a presença dos alunos de 5º ano de Psicologia Sistémica,
que vos falarão sobre as suas experiências nos locais de estágio curricular que
visitaram. Para além disso, teremos os testemunhos de convidados especiais, e
muitas surpresas.
Gostaríamos
de partilhar convosco este momento celebrativo de final de um ciclo da nossa
vida.
Ficamos
à vossa espera,
Turma
de Clínica Sistémica".
Psicologia
Para Psicólogos
sábado, 17 de maio de 2014
[Auto-cuidado]: Se a sua ansiedade falasse...
Se a sua ansiedade falasse, o que lhe diria?
Esta
pergunta pode parecer estranha à primeira vista, o que é certo é que as
perturbações depressivas e ansiosas afectam cada vez mais pessoas em Portugal e
um pouco por todo o mundo. A ansiedade pode manifestar-se de várias formas: com
o ritmo cardíaco acelerado, uma sensação constante de inquietação, suores frios
e/ou localizados (ex: mãos), voz trémula, dores no corpo, entre outras.
Outro
dos aspectos que pode vir associado à ansiedade é que ela parece ser pouco
concreta e muitas vezes não é claro para uma pessoa ansiosa o que lhe faz
surgir a ansiedade. Quando isto acontece, o sofrimento aumenta, pois
aparentemente, nada parece estar associado a uma condição que acompanha a
pessoa durante grande parte dos seus dias.
Vou
sugerir-lhe um exercício: imagine a sua
ansiedade como algo real, palpável, se fosse uma figura, como seria? Seria
grande ou pequena? Provavelmente seria algo grande, devido ao domínio que tem
sobre a sua vida… Que cor teria, e quais seriam as suas feições? Imaginando
essa ansiedade a falar consigo, que tipo de tom de voz teria, grave e
assustador ou agudo e arrepiante? Imagine-a à sua frente e pense nas coisas que
ela lhe diria. A verdade é que a nossa ansiedade fala connosco, mas muitas
vezes não a ouvimos, porque estamos concentrados nos sintomas físicos que ela
nos provoca e tomamos medicamentos para os acalmar. Que preocupações é que a
sua ansiedade o/a está sempre a lembrar? Pergunte à sua ansiedade porque é que
ela está presente tantas vezes no seu dia-a-dia? O que se imagina a responder-lhe
quando ela lhe lembra constantemente sobre temas que tem pendentes ou sobre
receios do que possa acontecer no futuro?
Para
muitas pessoas é bastante apaziguador saber que podem ter conversas com a sua
ansiedade. A ansiedade tem como função deixar-nos alerta para os perigos que
possam acontecer, é uma condição bastante centrada no futuro e muitas vezes
naquilo que pode correr menos bem. Ela é importante porque faz com que o nosso
corpo liberte substâncias como a adrenalina e que nos mova em direcção aos
nossos objectivos. Quando se torna excessiva é bloqueadora e paralisadora,
funcionando contra nós.
Repare
naquilo que activa a sua ansiedade, pode até anotar os momentos em que se
começa a sentir ansioso/a e aquilo que a sua ansiedade lhe está a dizer. Pode
também responder-lhe e permitir-se deixar essas preocupações para mais tarde
quando tiver mesmo de agir, em vez de estar ansioso/a por antecipação. Pode
também ir dizendo à sua ansiedade que já fez tudo o que estava ao seu alcance
para resolver a situação e que gostaria que ela não colocasse tanta pressão
sobre si.
Estes
exercícios ajudam a observar o que está a acontecer consigo e a dar-lhe algum
controlo sobre uma ansiedade que parece ter vida própria.
Se
a ansiedade se mantiver incontrolável e avassaladora, fará sentido procurar o
apoio de um/a psicólogo/a para perceber e controlar a sua ansiedade.
Ana
Sousa
Atalhos:
[Auto-cuidado],
Ana Sousa,
Ansiedade
segunda-feira, 12 de maio de 2014
[Criminal-Forense]: Jurados nos Tribunais?
Em Portugal existem
jurados nos tribunais? E se existem, deveriam existir?
O tribunal de júri português é constituído
por três juízes do tribunal coletivo, quatro jurados efetivos e quatro
suplentes, que se pronunciam acerca da culpabilidade e sanção do arguido. Em
2011, verificaram-se 19 julgamentos com este tipo de tribunal em Portugal.
Pode ser requerido pelo
Ministério Público, assistente (ofendido) ou arguido, em questões de matéria de
facto (responsabilidade, intenção, dolo/negligência...), crimes contra a
segurança do Estado (violação de segredo de Estado, espionagem..., com excepção
do terrorismo) e crimes com pena abstrata superior a oito anos de prisão (homicídio,
ofensa à integridade física grave, escravidão, tráfico de pessoas, violação,
abuso sexual de crianças...).
Será que deveria existir?
Os argumentos a favor
relacionam-se com a maior compreensão do papel do juiz e das dificuldades do
sistema de justiça, a prevenção ao abuso de poder e a representação das
crenças, valores e atitudes da comunidade na sala de audiência.
Na minha perspetiva, a presença
dos jurados deveria ser apenas estipulada para certos ramos do direito, como o
cível e o laboral, que possuem penas menos gravosas e lidam com questões de
menor censurabilidade e interferência com a integridade física e bem-estar
psicológico da pessoa.
O direito penal e de família e
menores exigem uma maior competência e experiência em julgar, tendo o juiz recebido
formação para este propósito. Estas decisões por parte dos jurados estão assim
relacionadas com questões de credibilidade, probabilidade de acontecimentos e
inferência de intenções. Paralelamente, pode verificar-se falta de entendimento
acerca da linguagem utilizada pelos juízes e sobre o procedimento criminal.
No que concerne ao tipo de crime,
um caso de homicídio despoleta maior pressão social e pessoal, pela sua carga
afetiva, do que um caso de evasão fiscal. Um jurado poderá não ter capacidade
para lidar com crimes como o abuso sexual de menores, traduzindo-se assim numa
falta de competência para julgar imparcialmente.
Ana Isabel Lopes
Referências
BDJUR (2013). Código Penal. Coimbra: Edições Almedina.
Consultado no dia 4 de Março de 2014, através de
http://bdjur.almedina.net/citem.php?field=item_id&value=1172736.
Constituição
da República Portuguesa, (1976). Consultada no dia 6 de Março de 2014, através
de
DR
(1987). Decreto-Lei n.º387-A/87 de 29 de
Dezembro. DR, 1ª Série, n.º 298 de 29 de Dezembro. Retirado de
http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=315&tabela=leis
Jólluskin, G. (2009). O tribunal do júri no ordenamento jurídico
português: Uma abordagem na perspectiva da psicologia. Revista da Faculdade
de Ciências Humanas e Sociais (6), 116-126. Porto: Edições Universidade
Fernando Pessoa.
Nemeth, C. (1981). Jury trials: Psychology and law.
Advances in Experimental Social Psychology, Vol. 14. Academic Press, Inc.
Sacau, A. &
Castro-Rodrigues, A. (2008). A cidadania
e a (des)identificação dos cidadãos com a justiça – um contributo da Psicologia. Trabalho apresentado no
projecto “Análise psicológica da tomada de decisões judiciais”.
Sacau, A. & Jólluskin, G. (sem data). El tribunal del jurado: Reflexiones sobre el ejercicio de la ciudadania. Porto: Universidade Fernando Pessoa.
Sacau, A. & Jólluskin, G. (sem data). El tribunal del jurado: Reflexiones sobre el ejercicio de la ciudadania. Porto: Universidade Fernando Pessoa.
sexta-feira, 9 de maio de 2014
[Envelhecer]: Solidão
Um
tema que surge frequentemente associado aos Idosos é o isolamento.
A perda, na
maior parte dos casos, da rede social associada à actividade laboral, com a
reforma, e a saída dos filhos de casa marcam o início do que para muitos é o
princípio do fim da vida. A rampa final onde simplesmente se padece e
pacientemente se espera.
Um
dos factores deste isolamente é a perda dos familiares e amigos da mesma idade
que vão perecendo ao longo dos anos e, previsivelmente, com o avançar dos anos
estas perdas tornam-se mais numerosas, criando maiores vazios na rede social
destas pessoas.
Estes
sobreviventes da sua geração além de lidarem com as suas perdas relacionais vão
perdendo algumas das características que a sociedade moderna tanto valoriza,
como a velocidade, a flexibilidade, a agilidade na adaptação, e a juventude,
ficando ainda mais isolados da restante sociedade.
Apesar
do tom deste discurso não pretendo ignorar que há excepções a esta regra, no
entanto esta é a regra quando se fala e pensa acerca dos idosos, a visão
pessimista do desenvolvimento prevalece. Por isso gostaria de deixar aos
leitores uma reflexão acerca do isolamento, ou será da percepção do mesmo? E
percepção de isolamento por parte de quem vive esta etapa da vida ou de quem a
olha de fora? Estarão os idosos mais sozinhos do que os jovens? Será que
existem diferenças entre os idosos que vivem na cidade, rodeados de casas
vazias todo o dia e de pessoas que não sabem o seu nome e os que vivem nas
aldeias onde sempre viveram mas longe das oportunidades de socialização urbanas?
E ainda estarão os idosos religiosos mais sós do que os agnósticos?
Gostava
de contar com as vossas ideias acerca da solidão envelhecida.
Ana
Carla Nunes
domingo, 4 de maio de 2014
“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez.”
“Não
sabendo que era impossível, foi lá e fez.”
Não, deixou de o ser. O que era
continuou a sé-lo. Mas a avaliação “impossível” é que veio de alguém diferente.
Pensamento diferente, percepção diferente, esquemas diferentes. Limitações
subjectivas que a tendência Humana empurra e atribui aos outros. O que eu achar
impossível para mim, assim o terá de ser para os outros.
Mas outros, não sabendo da minha
avaliação, criam a sua. E a sua é, obrigatoriamente, diferente das anteriores.
Podem ter as mesmas palavras nas conclusões retiradas, mas os caminhos que a
levaram até lá foram diferentes. E mantêm os comportamentos a ocorrer
diferentes também. Isto ocorre pois a percepção dos estímulos envolventes às
situações são entendidas por cada um com base nas suas experiências anteriores,
e isso, como é entendido, é idiossincrático. Uma mesma situação é entendida por
cada indivíduo de forma diferente. Variando entre indivíduos, varia ainda em
cada momento do mesmo, pois face a situações semelhantes, temos respostas
diferentes ao longo do tempo.
Se a avaliação da situação não é de
que a mesma é impossível, os esquemas criados para a mesma não a mostram como
tal. Assim, as limitações do funcionamento esquemático são diferentes, mais
abertas, menos rígidas, e permitem uma melhor adaptação face à mesma. A
conclusão será, assim, a mais adaptativa possível no sentido do objectivo
desejado de acordo com os comportamentos realizados.
A atribuição de rótulos baseados em
avaliações de terceiros levam-nos a erros de percepção para as situações do
dia-a-dia. Algumas, como diz a história espelhada nos provérbios e fado cultural
de um povo, ajudam-nos a viver melhor, evitando isto e aquilo, como um guia
tradicional a realizar. Outros, inibem experiências e desenvolvimento pessoal,
pensamento crítico e acção geradora de bem-estar.
A distinção entre ambas é essencial
para a melhor adaptação dos indivíduos que potencie o seu desenvolvimento
enquanto seres Humanos, Pessoas, Cidadãos, e todos os outros papeis que, bem ou
mal, temos na sociedade.
Tiago A. G. Fonseca
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